quarta-feira, março 08, 2006

A TRANSIÇÃO DEMOGRAFICA BRASILEIRA

Durante o século XX, o país teve sua população aumentada em quase dez vezes. De 17438434 pessoas em 1900, atingiu em 1999, segundo projeções do IBGE, a cifra de 163 947500 habitantes. Esse crescimento não ocorreu, porém, em ritmo uniforme, como se pode observar pelos dados da Tabela 1. A discutível qualidade dos dois primeiros censos desse período, isto e, de 1900 e de 1920, torna difícil qualquer interpretação do ritmo de crescimento nesses primeiros vinte anos. Ao estudar exaustivamente esses dois levantamentos, Mor­tara (1970) concluiu que houve uma subenumeração no censo de 1900, enquanto o de 1920 sobreenumerou a população, explicando em grande medida as discrepâncias encontradas nas taxas anuais de crescimento. Alem disso, o primeiro censo referia-se a população residente e o segundo, apenas aos presentes na data do recenseamento. Por outro lado, alguns fatores poderiam explicar um leve arrefecimento na taxa de crescimento no período 1920-40. A entrada de estrangeiros no Brasil, que atingira o elevado contingente de 1446081 no período 1900-20, declinou entre 1920 e 1940, passando a 1146081. Ou seja, o aumento populacional pelo excedente das imigrações em relação às emigrações, que fora de 10,1 % entre 1900 e 1920, caiu para 6,3% no período seguinte. Outro elemento a ser evocado e a redução de, em media, um filho por mulher entre os dois períodos considerados (Tabela 2). Levando em conta que mais de 70% da população era rural e que a fecundidade era natural, ou seja, com pouco ou nenhum controle individual voluntário, não se de­veria esperar tal redução, a menos que fatores conjunturais pudessem afetar o comportamento das pessoas. A crise de 1929, de escala mundial e com conseqüências especificas no caso brasileiro, pode ter contribuído para o retarda­mento das uniões conjugais ou mesmo levado ao adiamento da constituição da prole. A mortalidade, ligeiramente declinante entre 1900 e 1920, sofreu redução mais significativa tanto em 1920-30 como em 1930-40 (Tabela 3), o que parece contradit6rio quando se considera a grande recessão de 1930. O silêncio deixado pela ausência do censo de 1930 torna, entretanto, difícil uma aproximação explicativa para um intervalo tão longo, de vinte anos.
Desde 1940 a evolução demográfica da população brasileira vem sendo marcada por transições decorrentes de mudanças nos níveis de mortalidade e de fecundidade (Gráfico 1), uma vez que as migrações internacionais deixa­ram de ter influencia e a saída de brasileiros para o exterior só se tornou importante a partir de meados da década de 1980.
Entre 1940 e 1960, a população experimentou um aumento em seu ritmo crescimento anual: de 2,3% ao ano, na década de 1940, passou a 3% no decênio seguinte (Tabela 1). Essa transição deveu-se exclusivamente a um declínio na mortalidade, traduzido por um ganho de dez anos na esperança ao nascer (Tabela 3), já que a taxa de fecundidade total se manteve constante no período - seis filhos por mulher.
A partir de 1960 o ritmo anual do crescimento populacional começou a acelerar, passando a 2,8% e 2,6% nos decênios 1960-70 e 1970-80, residente. Nesse período, a fecundidade começou a declinar, chegando a cinco filhos por mulher em 1980, enquanto a mortalidade continuou seu ritmo descendente anterior, com ganho de 9,4 anos na expectativa de vida. Assim, nessa nova etapa da transição demográfica, a responsabilidade passou para a queda fecundidade. No período 1980-96, seu papel continuou decisivo na redução do crescimento da população, o qual atingiu 1,3% ao ano entre 1991 e 1996. De fato, a fecundidade teve sua maior redução, de 50%, passando de 4,3 a 2,2.
Em ultima análise, no decorrer do século XX, as mulheres no Brasil reduziram a sua prole, em media, em 5,5 filhos, enquanto houve um ganho de 35 anos na expectativa de vida dos brasileiros.
Essas transições afetaram diretamente e de forma significativa a estrutura da população (Gráfico 2). Passou-se de uma pirâmide de base larga e triangular - característica de regimes demográficos com altas taxas de natalidade e de mortalidade - para uma outra mais uniforme e de base reduzida - típica de regimes com grande redução na fecundidade. De fato, a base da pirâmide etária de 1996 revela que, pela primeira vez nos pais, o número de crianças menores de cinco anos foi inferior ao daquelas de cinco a dez anos, e este, por sua vez, menor do que o segmento seguinte, de dez a quinze.

Vale salientar que os níveis e as tendências da mortalidade e da fecundidade apresentaram variações sociais e regionais. No caso da mortalidade, o nordeste apresentou sempre os menores níveis para a expectativa de vida ao nascer, igual a 38 anos em 1940, contrastando com os cinqüenta anos conquistados pela região Sul. Essa diferença de doze anos aumentou para dezesseis ate o decênio de 1970, começou a declinar, atingindo cinco anos em 1998, quando a vida media na região mais pobre do país chegou a 65 anos. Ou seja, nos últimos sessenta anos o Nordeste e o Sul ganharam, respectivamente, 27 e vinte anos por viver.
Importante responsável pelos valores da vida media são os níveis de mortalidade infantil. Nota-se pelo Gráfico 3 - que registra as taxas de mortalidade infantil do país e das regi6es Nordeste e Sul, de 1930 a 1990 - que ha grande contraste entre essas regi6es, e que os ganhos significativos tiveram inicio a partir da década de 1970. A diferença de 68 mortes a mais de menores de um ano para cada mil nascidos vivos no Nordeste do que no Sul, observada no decênio de 1930, passou a 46 na década de 1990. A maior cobertura dos serviços de saneamento básico; a ampliação da oferta de serviços de assistência prima­ria de saúde e médico-hospitalar, em especial os de -pré-natal, parto e puerpério, bem coma dos programas de prevenção como vacinação, reidratação oral e aleitamento materno; a queda da fecundidade e a melhoria e a abrangência do sistema educacional contribuíram para a redução sistemática dos níveis da mortalidade infantil, sobretudo a partir de meados da década de 1970.
TABELA 1- TAXA MEDIA ANUAL DE CRESCIMENTO (%) DA POPULA9AO DO BRASIL NO PERIODO 1900-1996

Períodos
Taxa de crescimento (% a. a.)
1900-20 2,9
1920-40 1,5
1940-50 2,3
1950-60 3,0
1960-70 2,9
1970-80 2,6
1980-91 1,9
1991-96 1,3

Fonte: Fundação IBGE, Censos Demográficos de 1900 a 1991 e Contagem Populacional de 1996.
TABELA 2 - TAXAS DE FECUNDIDADE TOTAL - BRASIL, 1903-1999.
Anos Taxas
1903 7,7
1908 7,4
1913 7,1
1918 6,8
1923 6,6
1928 6,4
1933 6,2
1938 6,0
1943 5,8
1950 5,9
1960 6,1
1970 5,8
1980 4,3
1991 2,5
1999 2,2
Fonte: Frias, L. A. de M. e Carvalho, J. A. M. (1994). Fundação IBGE, Censos Demográficos de 1980 e 1991
TABELA 3 - TAXAS DE MORTALIDADE POR MIL HABITANTES - BRASIL, 1900-1999.
Anos Taxas
1900 29,1
1910 28,7
1920 28,4
1930 26,3
1940 24,4
1950 21,4
1960 14,3
1970 11,4
1980 6,3
1991 5,4
1995 5,8

Fonte: Santos, J. L. F. Medidas de fecundidade e mortalidade para 0 Brasil no século XX (1978), Fundação IBGE, Censos Demográficos de 1980 e 1991, SIM - DATAsus/FNS, 1995.

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