sexta-feira, setembro 26, 2008

Síntese de países

O Mundo em síntese num ótimo esquema informações variadas de todos os países do Mundo você em com neste sítio

IBGE - Países@

Vale a pena conferir e consultar quando necessário.

quinta-feira, julho 31, 2008

Governo quer coibir ocupação de estrangeiros na Amazônia

 

Só um milionário sueco possui 160 mil hectares e sua ONG 145 mil. Incra mostra que estrangeiros são donos de 33 mil imóveis rurais na região

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) investigou as atividades do milionário sueco, com cidadania britânica, Johan Eliasch, que adquiriu através de um “fundo de investimento” de sua propriedade, com sede em Delaware, nos Estados Unidos, terras na Amazônia que somam 160 mil hectares, área maior que a cidade de São Paulo.

Segundo o relatório da Abin, Eliasch é também um dos fundadores e controladores da ONG britânica “Cool Earth”, denunciada por receber doações através de seu site na internet para comprar terras na Amazônia. Pela internet, a Cool Earth pede doações para “preservar” a floresta Amazônica. Segundo a Abin, há indícios de que isso é uma fraude e que os recursos são utilizados para adquirir terras na Amazônia.

A investigação identificou cinco áreas de proteção ambiental, num total de 145 mil hectares, que estariam sob controle da ONG britânica. Duas das áreas identificadas pelo órgão são bastante suspeitas: Cristalino e Teles Pires, na divisa dos estados de Mato Grosso e Pará. Elas somam 130 mil hectares (1.300 k2). Segundo o relatório, esses dois projetos estão ladeados “por solicitações de pesquisa geológica de reservas de ouro”. Além disso, diz a Abin, “esta região repousaria sobre formação geológica rica em lamprófiro, mineral encontrado em áreas de jazidas de diamante”.

O relatório da Abin, que teve trechos divulgados no Programa “Fantástico”, da Rede Globo, no último domingo, informa ainda que “diferentemente do que atesta os certificados emitidos pela ONG, há áreas já desmatadas e duas pequenas centrais hidrelétricas nos rios Nhandu e Rochedo”. A porta-voz da ONG britânica no Brasil é a socialite paulista, Ana Paula Junqueira, organizadora junto com outros milionários do movimento “Cansei”, de oposição ao governo Lula. Ela é casada com o milionário sueco.

Eliasch foi um dos financiadores do Partido Conservador na Inglaterra e agora é consultor do primeiro-ministro Gordon Brown para assuntos ambientais. Ele começou a ser investigado pela Abin em 2007 por estar comprando, desde 2005, muitas terras na região amazônica. As terras estão nos municípios de Manicoré e Itacoatiara.

Foi Eliasch quem afirmou, em 2006, durante uma conferência, que a Amazônia poderia ser comprada por US$ 50 bilhões. Em entrevista à  Globo no domingo, o milionário tentou se explicar dizendo que quis mostrar que “o valor hipotético da Amazônia era pequeno comparado ao que as seguradoras gastaram com os prejuízos do furacão Katrina”.

Diante de sua afirmação de que financiava projetos sociais na região, o repórter foi até o local para conferir. Nenhum sinal das melhorias que ele disse estar fazendo foi encontrado. Por meio da página da Cool Earth na Internet, o repórter da Globo pediu informações sobre a atuação da ONG no município de Democracia. Na resposta, a afirmação de que duas escolas e uma clínica teriam sido construídas e que os projetos estariam dando emprego a 100 pessoas. Mas em Democracia nada foi encontrado e apenas uma pessoa, de nome Ivanildo, estava empregado como segurança da propriedade do milionário.

A Cool Earth diz ainda que construiu seis depósitos para secar e armazenar castanha. Mas apenas o que já existia antes da chegada da organização na região foi encontrado. Em seu material de divulgação, a ONG mostra um homem que estaria sendo beneficiado pelo projeto, o extrativista Alfredo Ferreira, de 60 anos, que ficou surpreso ao ver sua foto sendo usada pela ONG. “Eu nunca recebi nenhum benefício da organização, desse pessoal do sueco, não. Nunca recebi nada”, afirmou. Durante a entrevista, o milionário acabou confessando que possui terras na Amazônia. “No total, são cerca de 160 mil hectares, mas eu não posso dizer quanto eu paguei porque, no contrato de compra, o preço é uma informação confidencial”, disse. “Eu também gosto de árvores, floresta. O que existe é apenas um apoio financeiro para pessoas pobres”, acrescentou o desinteressado milionário sueco.

Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária),  33 mil imóveis rurais estão registrados em nome de estrangeiros. Eles somam 5,5 milhões de hectares. Desse total, 3,1 milhões de hectares estão na chamada Amazônia Legal.

O governo decidiu limitar esse tipo de aquisição. “Trata-se de estabelecer regras para as empresas nacionais, com capital estrangeiro, que adquirem imóveis rurais no Brasil. Essa é uma questão de soberania nacional”, explica Rolf Hackbart, presidente do Incra. Uma lei de 1971 estabelecia que a compra de terras por estrangeiros deveria ser submetida ao Congresso Nacional. Um parecer da Advocacia Geral da União, de 1998, encomendado pelo então presidente Fernando Henrique, derrubou a lei eliminando as restrições. Agora, a AGU prepara um novo parecer. O consultor-geral do órgão, Ronaldo Jorge, explicou que o parecer está sendo revisto porque “as empresas estrangeiras se associam a empresas brasileiras, e adquirem grandes extensões de terras sem que se possa estabelecer qualquer tipo de restrição”, denunciou.

quarta-feira, julho 02, 2008

Fashion Week, máfias e trabalho escravo

 

ALTAMIRO BORGES*

Nas duas últimas semanas, as elites opulentas e os apreciadores da alta costura se deliciaram com os desfiles de moda no Rio de Janeiro e São Paulo, a paparicada Fashion Week. Jornais gastaram toneladas de papel para comentar cada grife nas passarelas. Já as televisões, com destaque para a TV Globo, ocuparam os espaços nobres com suas reportagens consumistas e hedonistas bem ao gosto dos ricaços. No mesmo período, a mídia burguesa fez de tudo para desqualificar a greve de 230 mil professores paulistas, “que tumultuou o trânsito dos que foram ao desfile na capital”. A visão classista da imprensa ficou escancarada nestas duas coberturas “jornalísticas”.

Sem desprezar a criatividade dos estilistas brasileiros e as peculiaridades desta indústria no país, seria sensato que a mídia não tratasse com tanto glamour este badalado mundo da moda. O livro Camorra, de Roberto Saviano, ajuda a desmistificar este setor altamente lucrativo. Lançado em 2006 na Itália, traduzido em 47 países e com 1 milhão de exemplares vendidos, ele descortina os bastidores deste “negócio”. Para isso, o jornalista italiano se infiltrou na Camorra, a organização criminosa sediada em Nápoles que já suplantou a máfia siciliana em movimentações financeiras. Após sofrer um atentado a bomba, hoje ele vive sob escolta policial e utiliza carros blindados.

Valentino, Versace, Prada e Armani

Na sua corajosa pesquisa, Saviano descobriu que um dos braços da máfia camorrista se estende à indústria da moda. Ele comprova que famosas grifes terceirizam a sua produção junto ao sistema fabril controlado pela Camorra. Muitas confecções inclusive utilizam mão-de-obra de imigrantes ilegais, com base no trabalho escravo. Como aponta Walter Maierovitch, numa resenha do livro para a revista Carta Capital, a obra “acertou em cheio grandes grifes mundiais, como Valentino, Versace, Prada e Armani. Essas empresas desfrutaram deste esquema ilegal, protegendo-se da responsabilidade criminal por meio do ridículo argumento do ‘terceirizei e basta’”.

Somente após a repercussão do livro e as denúncias da Procuradoria Antimáfia da Itália, algumas destas bilionárias empresas começaram a criticar o mercado pirata da moda. A omissão, segundo Saviano, teria os seus motivos. “Denunciar o grande mercado significava renunciar para sempre à mão-de-obra a baixo custo que utilizavam. Os clãs teriam, em represália, fechado os canais de acesso às confecções que controlam no país e as do Leste Europeu e Oriente”. O livro revela como uma empresa legal se compõe com milhares de confecções do “sistema Camorra”. Cita os leilões de modelos em escolas de Nápoles com a presença de compradores das grifes mundiais.

Ao destrinchar como funciona a Camorra, hoje uma poderosa “multinacional” com ramificações em vários setores – alta costura, drogas, contrabando e mercado financeiro –, Saviano mostra as precárias condições de trabalho dos imigrantes ilegais e dos milhares de jovens desempregados, recrutados nas periferias napolitanas. No tráfico de drogas, os jovens fazem entregas com motocicletas fornecidas pelos clãs mafiosos. Depois de várias entregas, eles ganham a moto de presente e realizam um “grande sonho, sem perceber que os capi lucraram muito mais”.

* Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro recém-lançado “Sindicalismo, resistência e alternativas”

quinta-feira, maio 01, 2008

Ciclos de Milankovitch
O leitor que colocou várias questões diz: «Por outro lado, tenho formado a ideia que o planeta tem o seu ritmo climático de muito longo prazo (para uma escala humana), com um respirar profundo que o leva a oscilar entre o quente e o frio (eras glaciárias), e que isso obviamente aconteceu sem qualquer intervenção humana.
»O leitor tem razão. No fundo, está a colocar a questão que os estudiosos das eras glaciárias colocaram há bastante tempo. A resolução para esta dúvida foi apresentada por Milutin Milankovitch. O blogue ocupou-se deste cientista nos seguintes posts:
A teoria dos ciclos de Milankovitch explica os períodos glaciários e os períodos interglaciários. Vivemos num período interglaciário. Em 1850 o planeta saiu de um pequeno período glaciário conhecido por LIA-Litlle Ice Age.
A teoria dos anticiclones móveis polares também explica a entrada numa era glaciária pelo aumento da sua actividade que vai transformando o vapor de água da atmosfera em massas de gelo.
Já se disse anteriormente que, guardadas as devidas proporções, os acontecimentos verificados desde o shift climático dos anos 70 do século passado assemelham-se ao prólogo de uma era de gelo. Nada de sustos porque isso demoraria muitos anos…
A atmosfera seca poderia ser uma característica dessa hipótese. O potencial precipitável estaria a transformar-se em tempestades de neve em certas regiões. Noutras faltaria a precipitação normal.
Tudo isto é apenas uma hipótese que mereceria um estudo profundo. No mês de Fevereiro do ano passado, perante as tempestades de neve que chegaram a invadir a Espanha e atingir o Magrebe, uma docente da Universidade do Minho afirmou a um jornal que parecia a entrada numa era glaciária. O jornalista fez troça… A sua mente está subjugada pelo global warming.

quarta-feira, abril 23, 2008

Os novos índices da Aids

A julgar pelos cálculos do último ano, a velocidade de disseminação da epidemia mundial de Aids parece ter arrefecido. Dois grupos da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicaram estimativas a respeito do número de pessoas HIV-positivas que contradizem previsões anteriores. Segundo ambos os estudos, haveria hoje 33,2 milhões de infectados, ao contrário dos 39,5 milhões citados nas estatísticas de 2006.
O número anual de novas infecções também teria caído: 4,3 milhões de novos casos em 2006, ante 2,5 milhões em 2007.De acordo com essas avaliações, a incidência mundial teria alcançado o pico na segunda metade dos anos 1990.
Embora favoráveis, os dados não devem gerar otimismo. Parcela significante das previsões anunciadas pelo Joint United Nations Programme on HIV/Aids (Unaids) e pela OMS resulta do fato de que as anteriores estavam exageradas. Um entendimento mais abrangente da dinâmica de transmissão da infecção combinado com o aperfeiçoamento dos métodos de cálculo da prevalência do HIV justificaria as quedas documentadas nos relatórios de 2007.
Mudanças comportamentais que levaram à adoção de medidas preventivas, como prática de sexo seguro e abandono do uso de drogas injetáveis, contribuíram para as reduções observadas em alguns países, mas não conseguem explicar os resultados globais.
As diferenças levaram alguns críticos a atribuí-las à manipulação anterior dos dados pelas agências internacionais, com o objetivo de obter fundos mais generosos para o combate da epidemia. Os técnicos do Unaids e da OMS negam com ênfase tal acusação; defendem-se justificando que trabalham com as informações mais confiáveis disponíveis ao fim de cada ano.
Cerca de 70% da queda do número de infectados veio de Angola, Índia, Quênia, Moçambique, Nigéria e Zimbábue. Na Índia, ocorreu a mudança mais significativa: 5,7 milhões de infectados nas estimativas de 2006 e 2,5 milhões nas atuais.
No Zimbábue e no Quênia, parte da redução está relacionada com a adoção de práticas de sexo seguro. Em outros países, no entanto, a justificativa está na identificação mais acurada dos portadores do vírus através de centros-sentinela distribuídos em áreas mais remotas. Apenas na Índia, hoje existem 1.100 desses centros, ante 155 no fim dos anos 1990.
Os inquéritos epidemiológicos mais recentes revelaram que aqueles do passado, ao extrapolar para a população geral a predominância encontrada em clínicas de atendimento pré-natal, inflacionavam a parcela de infectados em cerca de 20%, uma vez que não levavam em conta a prevalência mais baixa nas mulheres sexualmente inativas, nas que só praticam sexo seguro e nos homens.
Nem todas as taxas caíram, entretanto. Nos países do Leste e da região central da Ásia, a prevalência aumentou 150%, desde 2001. Cerca de 90% dessas novas infecções aconteceram na Rússia e na Ucrânia. No Vietnã, a prevalência duplicou entre 2000 e 2005. Na Indonésia, a velocidade de propagação é a mais rápida do continente asiático. Surgiu mais um dado importante nesses estudos: sem tratamento, a infecção pelo HIV leva, em média, 11 anos para manifestar os primeiros sintomas, ao contrário dos nove anos, como se supunha. Essa velocidade mais lenta de progressão para as fases sintomáticas da Aids modifica os índices de mortalidade. O uso de medicamentos contra o vírus, hoje disponíveis para mais de 2 milhões de portadores que vivem em países de renda per capita baixa ou intermediária, também contribui para a redução da mortalidade: 2,9 milhões de óbitos em 2006, ante 2,1 milhões em 2007.
Estatísticas otimistas à parte, a existência de 33 milhões de portadores de um vírus sexualmente transmissível causador de uma infecção incurável, controlada com dificuldade apenas por meio do uso contínuo de medicamentos causadores de efeitos indesejáveis, acessíveis mundialmente a uma parcela ínfima dos infectados, dá uma dimensão da tragédia humana provocada pela epidemia.

Sismicidade brasileira

Sismicidade brasileira
Terremotos no Brasil

sábado, abril 19, 2008

A TRAGÉDIA ECOLÓGICA DO MAR DE ARAL




* Rama Sampath Kumar

O Mar de Aral, um lago terminal alimentado por dois rios principais, (Sirdaria e Amudaria) forma uma fronteira natural entre o Kasaquistão e o Uzbequistão. Era, em 1960, o quarto maior lago mundial; hoje, está em vias de desaparecer num pequeno e sujo poço. A destruição do Mar de Aral é um exemplo de como uma tragédia ambiental e humanitária pode ameaçar rapidamente toda uma região. Tal destruição constitui um caso clássico de desenvolvimento não-sustentado. Vale a pena estudá-lo, pois, de certa forma, prefigura o que poderá acontecer a nível planetário se a humanidade continuar a desperdiçar recursos finitos como a água.

O Mar de Aral e toda a bacia do lago ganharam notoriedade mundial como uma das maiores degradações ambientais do Século XX causadas pelo homem. A União Geográfica Internacional destacou a bacia Aral, nos começos dos anos 90, como uma das zonas críticas da terra [Kasperson, 1995]. É também referida como a “Chernobyl Calada”, uma catástrofe silenciosa que evoluiu lentamente, quase imperceptivelmente, ao longo das últimas décadas [Glantz e Zonn, 1991]. A redução do Mar de Aral captou a atenção e o interesse de governos, organizações ambientais e de desenvolvimento, leigos e comunicação social nos últimos anos em todo o mundo [Ellis, 1990]. A partir de meados dos anos 80, quando os soviéticos abriram as portas ao abrigo da política da glasnost (abertura), a situação do Mar de Aral ganhou a fama, junto à comunidade internacional, de calamidade ambiental [Glantz, 1998]. Desde então os cientistas têm exigido energicamente a salvação do Mar de Aral. Infelizmente, a essa altura, o Mar de Aral estava reduzido a um terço do seu tamanho original. Apesar de ser novamente motivo da comunicação social mundial, e debatido, com uma nova abertura na União Soviética, era uma situação de crise conhecida que estava na agenda dos políticos da Federação por mais de 30 anos. [1]

O Mar de Aral antes de 1960

O Mar de Aral fica situado a aproximadamente 600 km do Mar Cáspio. Existiam mais de 1.100 ilhas, separadas por lagoas e estreitos apertados, que deram ao mar o seu nome; na língua kasaque, Aral significa 'ilha'. No presente, a Kok Aral, a maior de todas as ilhas (agora uma península) dispersas pelo Mar de Aral, separa a parte nordeste, chamada Pequeno Aral, da parte sudoeste, chamada o Grande Aral. Esta forma a fronteira natural entre Kasaquistão e Uzbequistão, que partilham entre si o lago. As duas partes estão ligadas pelo estreito de Berg. O Mar de Aral era, até 1960, o quarto maior lago do mundo, cobria uma área de 66 mil quilômetros quadrados, com um volume estimado de mais de 1.000 km³ [Kabori e Glantz, 1998]. Embora seja chamado um mar, na realidade é um lago terminal, alimentado por dois rios principais: Sirdaria no norte e Amudaria no sul. Este último, o maior rio da região, começa nas montanhas de Kunlun na cordilheira Hindu Cushe, dirige-se para noroeste através dos Montes Pamir e depois passa pelo Kirguizistão, Tadjiquistão, Uzbequistão (que forma fronteira com o Afeganistão), Turkmenistão, e volta a passar por Uzbequistão antes de entrar no Mar de Aral. O Sirdaria que começa na base norte das montanhas Tien Shan no Kirguizistão, corre através de Tadjiquistão, Uzbequistão, Kasaquistão e depois entra no Mar de Aral [Islamov, 1998]. Por conseguinte, embora o Mar de Aral se situe entre Uzbequistão e Kasaquistão, todos os cinco estados da Ásia Central compartilham a bacia do Mar de Aral, uma área de 690 mil quilômetros quadrados. [2] Os caudais destes dois sistemas fluviais perenes, sustentavam um nível estável no Mar de Aral. Ao longo dos séculos, cerca de metade do caudal dos dois rios alcançou o Mar de Aral.

Um vasto delta sustentava uma prolífica atividade pesqueira. [3] No lago, encontrava-se uma grande variedade de espécies de peixes, incluindo algumas espécies que só existiam no Mar de Aral, entre eles o famoso esturjão de Aral. As suas águas alimentavam indústrias de pesca locais com capturas superiores a 40 mil toneladas anuais, enquanto os deltas dos seus principais afluentes abrigavam dezenas de lagos menores e terrenos alagadiços de grande riqueza biológica. Florestas cerradas de juncos e canas, algumas vezes estendendo-se vários quilômetros na direção do mar, rodeavam as margens do lago. À volta do lago e no delta fluvial, viviam grandes populações de saikas (antílopes), javalis selvagens, lobos, raposas, almíscares, perus, gansos e patos.

O Mar Aral era como um grande oásis no deserto. Durante muitos séculos, as estepes e as regiões semidesertas abrigaram vários grupos étnicos. Antes da chegada da Rússia imperial, a população que vivia na área do Mar de Aral era, predominantemente, nômade. Este modo de vida era, até certo ponto, essencial, devido às condições de desertificação ambiental. O clima é fortemente continental e a paisagem é do tipo semideserto. A precipitação anual é de cerca de 200 mm. Não é possível haver agricultura com esta quantidade de chuva. Somente na zona perto dos dois rios era possível ter agricultura e por esse motivo, as pessoas que estavam afastadas das margens dos rios, viviam unicamente da criação de gado. A primeira tarefa do governo imperial russo foi fixar a população em comunidades agrícolas. Perceberam que uma terra seria boa para agricultura se houvesse água disponível. No final do século XIX, cultivou-se algodão a uma relativamente larga escala quando se introduziram novas tecnologias de irrigação. Foram abertos canais para facilitar o processo de irrigação e uma boa proporção da produção agrícola da Ásia central estava completamente dependente da irrigação.

Nos anos que se seguiram à Revolução Bolchevique cresceu o interesse na irrigação dos territórios da Ásia central. A área irrigada foi extensivamente desenvolvida nos começos dos anos 20, pois os soviéticos estavam interessados em aumentar a produção do algodão. Em 1918, Lenine emitiu uma proclamação pedindo mais algodão do Turquestão. Além disto pretendiam controlar a população rural. Nos finais dos anos 30, sob o comando de Stalin, o ministro soviético da água iniciou um projeto maciço de desvio da água a fim de irrigar as estepes do Uzbequistão, Kasaquistão e Turkmenistão para os preparar para a cultura do algodão. O primeiro grande projeto de irrigação iniciou a operação em 1939 com a construção do canal que rodeava o Vale de Ferghana no Uzbequistão. A caminho dos finais dos anos 40, grandes quantidades de água do Rio Sirdaria foram desviadas para fins agrícolas para Kizil-Orda no Kasaquistão e para uma zona perto de Tashkent no Uzbequistão [Altan, 1995] . A produção agrícola ao longo do Sirdaria foi preparada e iniciada, com trágicas conseqüências para a cultura nômade kasaque. O programa de propriedade coletiva de Stalin atingiu duramente os kasaques e calcula-se que mais de um milhão de pessoas morreram ou abandonaram a região dirigindo-se para países a sul do Kasaquistão. Os kasaques que ficaram não possuíam os conhecimentos necessários nem tradição agrícola, por isso tiveram importar peritos. [4] Como os camponeses da Ásia central não aceitaram a propriedade coletiva e a industrialização da agricultura, a produção de algodão no Uzbequistão e de trigo/arroz no Kasaquistão não aumentou até perto do começo dos anos 40 [Hav, 1998]. .

Após a morte de Stalin em 1953, os seus sucessores, Nikita Khrushchev e, mais tarde, Leonid Brezhnev, prosseguiram a mesma política soviética na Ásia central, convertendo ainda mais terra arável para a produção de algodão. Entre os finais dos anos 50 e 1970 completaram-se vários canais de larga escala para atenderem à estas expansões da monocultura do algodão: o Canal Qara-Qum de 800 km, de Amudaria até Ashkhabad, o sistema de irrigação de Mirzachol Sahra, o Canal Chu no Kirguizistão e o Reservatório de Bahr-i Tajik que serve Tadjiquistão [Blake, 2002]. No final dos anos 50, Moscou instituiu um regime de monocultura do algodão, resultando daí que todo o modo de vida se concentrou na produção de algodão, com poucos benefícios para a população e a destruição das tradições culturais indígenas. Nikita Khrushchev (1953-1964) estava pessoalmente fascinado por uma agricultura que não necessitasse de adubos e que pudesse ser feita em solos arenosos, utilizando apenas grandes quantidades de água. Tanto o Kasaquistão como o Uzbequistão possuíam vastas áreas de solos arenosos e os dois que os cruzavam possuíam enorme vazão. Foi iniciado um programa para tornar a União Soviética auto-suficiente em trigo e algodão. O algodão requer um clima quente e foi por isso que a produção de algodão foi instalada no Uzbequistão, irrigada pelas águas do Amudaria. A produção de trigo, cevada, milho-miúdo e arroz foi colocada principalmente ao longo do Sirdaria e do seu sistema de irrigação no Kasaquistão.

A bacia de drenagem do Mar de Aral se tornou rapidamente em uma bacia muito importante para a agricultura soviética. Durante milênios, os povos converteram, com êxito, pela irrigação, paisagens desertas em terras agrícolas. Embora a agricultura irrigada da bacia do Mar de Aral tivesse começado com as conquistas tzaristas dos séculos XVIII e XIX, a irrigação no tempo dos soviéticos era diferente, pois utilizava grandes quantidades de água desviadas dos principais rios da região. Projetos de irrigação a montante, para a produção de algodão e arroz, consumiam, como esponjas, mais de 90% da vazão natural destes rios. Chegou-se a tal ponto que, no começo dos finais dos anos 70, nenhuma água do Sirdaria chegava ao Mar de Aral e o Amudaria fornecia apenas um volume mínimo que decrescia constantemente [Bedford, 1996]. Somando-se a isto a elevada evaporação, estas terras concentraram muita salinidade. Para limpar o sal destes solos, construíram-se canais de drenagem que provaram ser inadequados. Grandes desvios, más construções de sistemas de irrigação, má conservação e gestão errada dos recursos hídricos, são apontados como causas principais para a diminuição da vazão que entra no Mar de Aral o que, por sua vez, alterou o equilíbrio ecológico existente.

Morte do Mar de Aral

É publicamente aceito que esta morte trágica do Mar de Aral começou em 1960. Foi o ano em que os projetistas de Moscou inauguraram o Projeto do Mar de Aral, um ambicioso programa econômico que visava a conversão de terrenos baldios na cintura do algodão da União Soviética. Os projetistas atribuíram à Ásia central o papel de fornecedor de matérias-primas, em especial de algodão. Isto conduziu a uma redução substancial de semeaduras de colheitas tradicionais como a alfafa e de plantas que se cultivavam para fornecer óleo vegetal. Pomares e árvores de amoras foram arrancados para permitir plantar mais algodão. O desejo de expandir a produção de algodão para as terras desertas aumentou a dependência da Ásia central da irrigação, especialmente do Uzbequistão.

O Mar de Aral e os seus afluentes pareciam ser uma fonte inesgotável de água. Foram abertos canais de grande extensão para espalhar as águas dos Amudaria e Sirdaria por todo o solo desértico. A área irrigada aumentou a sua superfície em menos de uma década para 6,9 milhões de hectares: metade dessas terras produziam algodão e a outra metade arroz, trigo, milho, frutas, legumes e forragens para o gado. Não é necessário dizer-se que a agricultura irrigada não foi planejada com o propósito de destruir a natureza. Gerando um enorme rendimento, a agricultura irrigada constituiu um sucesso formidável. Segundo Moscou, os anos iniciais do projeto foram uma proeza. As quotas de produção do algodão e de outros produtos eram realizadas ou excedidas ano após ano. A bacia do Mar de Aral tornou-se o principal fornecedor do país de produtos frescos. Os rendimentos nas cinco repúblicas da Ásia central que compartilhavam a bacia - Kasaquistão e Uzbequistão, ao redor das margens do Mar de Aral e Kirguizistão, Tadjiquistão e Turkmenistão ao sul na bacia hidrográfica dos rios Amudaria e Sirdaria - aumentavam regularmente. De 1940 a 1980, a produção de algodão soviético aumentou de 2,24 para 9,1 milhões de toneladas. A maior parte deste algodão era proveniente do Uzbequistão, Turkmenistão e Tadjiquistão, que, conjuntamente, eram responsáveis por quase 90% de toda a produção soviética [Critchlow,199].

As complicações surgiram porque a contração do Mar de Aral, e outras conseqüências causadas pela irrigação tinham sido tratadas como questões sem importância pelas autoridades até 1970. Não foi o projeto em si, mas antes os métodos agrícolas mal concebidos e mal geridos que destruíram a economia, saúde e ecologia da bacia do Mar de Aral, afetando milhões de pessoas. Foram construídos numerosos canais e a construção de várias barragens foi feita precipitadamente. Por volta de 1978, uma extensa rede de canais de irrigação estendeu-se peles desertos para matar a sede ao algodão ao longo de 7,7 milhões de hectares, principalmente no Uzbequistão. Os canais principais e secundários foram escavados na areia sem terem sido colocadas dutos tubulares ou concretagem. Também não se prestou importância à drenagem dos solos. Periodicamente eram fechadas as comportas e a água era dirigida diretamente para os campos, um sistema que causava uma enorme perda de água. Menos de 10% da água drenada era diretamente benéfica para a colheita. A restante desaparecia no solo arenosos ou evaporava-se. Foram estes programas largamente ineficazes que eram adaptados para satisfazer a enorme procura de água que, por fim, resultaram na secagem do Mar de Aral. Tendo como resultado a queda do de nível do Mar de Aral que supostamente poderia ser remediada por projetos ambiciosos de desvio de rios no norte da Rússia. Esses projetos nunca se realizaram e o lago continuou a secar ano após ano. O resultado foi catastrófico, e a irrigação que fez florescer o deserto e aumentar os rendimentos, pôs em marcha uma desastrosa cadeia de acontecimentos logo detectados na descida dos níveis de água e no declínio das capturas de peixe.

Portanto, infelizmente, em vinte anos, o quarto maior mar interior da terra passou a ser uma planura de sal, seca, contaminada e tóxica. A crise ecológica na área do Mar de Aral atinge agora a que foi a fértil república autônoma do Karakalpaquistão no Uzbequistão, Tashauz Velayat no norte do Turkmenistão e Kzyl Orda Oblast na parte ocidental do Kasaquistão. Toda esta região foi atacada por um dos piores desastres ambientais. Antes de 1960, entravam no Mar de Aral 55 bilhões de metros cúbicos de água, conservando-o a um nível saudável. Durante os anos 80, a média da vazão que corria para o lago era de apenas 7 bilhões de m³. Recentemente, apenas de 1 a 5 bilhões de m³ chegam anualmente ao lago. Perderam-se desde 1960, 75% do volume do lago, e há fortes receios de que secará totalmente por volta de 2015. No passado, o Mar de Aral oscilava em resposta às condições climáticas no mundo, subindo quando os glaciais derretiam e descendo quando se formavam. Em condições naturais o Mar de Aral subiria neste momento - o Mar Cáspio que se encontra próximo subiu 2 metros desde 1977 devido ao aumento da precipitação e diminuição da evaporação.

Degradação Ambiental

Tem sido publicamente reconhecido que a degradação ambiental da bacia do Mar de Aral é o resultado do tributo soviético ao Rei Algodão. A utilização descontrolada dos recursos hídricos dos rios conduziu a perdas graves no equilíbrio entre as fontes naturais de água nos ecossistemas e a utilização da água na irrigação agrícola. Os desvios de água dos dois principais rios regionais roubaram do lago e dos deltas o reabastecimento anual de água fresca. A salinidade da água do rio é inferior a 0,7 por mil, enquanto a água no Mar de Aral era salobra, com uma salinidade de aproximadamente 9 por mil. O sal no Mar de Aral era principalmente causado pela grande evaporação, e, parcialmente, pelo fato da água nos terrenos circundantes ao Mar de Aral ser salgada. [5] A salinidade era controlada devido à grande quantidade de água fresca proveniente dos rios Sirdaria e Amudaria. O calor de verão causava (e ainda causa) uma grande evaporação, que era a razão do bom clima ao redor de Aral antes da secagem do lago. À medida que as águas eram desviadas dos rios que alimentavam o Mar de Aral, generalizou-se a salinidade.

Os problemas ambientais criados pela secagem do Mar de Aral, para além da salinidade dos solos, incluem: aumento da salinidade da água do lago, erosão pelo vento, tempestades de poeiras salgadas, destruição dos leitos de desova dos peixes, colapso da indústria pesqueira, terras encharcadas, interrupção da navegação, divisão do lago em partes separadas, perda da vida selvagem nas áreas do litoral, grande redução de caudais dos dois afluentes principais, necessidade de recursos extras na bacia hidrográfica para estabilizar o nível do lago, alteração do clima regional, desaparecimento das terras de pastagem, e daí por diante. Todos estes graves problemas ambientais afetam a economia da região; uma situação combinada com médias elevadas de crescimento populacional. Viviam na zona, no começo do século XX, 8 milhões de pessoas. Desde então, a população da região aumentou para 50 milhões e a terra irrigada atingiu 7,7 milhões de hectares. Em seguida, apresentam-se discussões sobre as questões principais.

a) Desertificação: Conforme já foi descrito, a culpa da catastrófica dissecação do Mar de Aral é atribuída aos colossais projetos de irrigação na Ásia central durante o tempo dos sovietes. Como o nível do Mar de Aral desceu de 53 metros acima do nível do mar para 36 metros, a área da sua superfície encolheu para metade e o seu volume para três-quartos. A concentração salina duplicou. Em resultado disto, em complemento à queda dos níveis de água, a grande quantidade de terras irrigadas começou, a dada altura, a reduzir a sua produtividade devido à salinidade. Este fenômeno tem o nome de desertificação do Mar de Aral. A maioria das partes do fundo seco do lago está coberta de depósitos de bilhões de toneladas de sais tóxicos, trazidos para ali ao longo de décadas por águas infiltradas nos rios através dos campos. A área do fundo seco do lago, conhecida localmente por “deserto de Aralkum”, tem agora cerca de 40.300 Km². Durante o regime soviético grandes áreas desta região foram utilizadas como centros militares e espaciais e, desta forma, agravou-se o problema, pois o sal está poluído por produtos químicos. O vento soprando do lago carrega o sal poluído pelos produtos químicos do leito exposto e leva-o para campos de cultura à média de 75 milhões de toneladas anuais, cobrindo faixas de 40 km de largura e destruindo solos a milhares de quilômetros de distância [Sinnot, 1992] . Esses sais podem destruir as colheitas de algodão logo no começo do período de brotação. Para retirar o sal do solo é necessário regar continuamente a terra durante um longo período. Este processo requer ainda mais água fresca, o que significa mais desvios das águas fluviais e, desta maneira, isto forma uma espécie de círculo vicioso. Por conseguinte, deserto e áreas arenosas aumentam pelo impacto do vento e mais desertificação é criada. A Academia das Ciências Uzbeque afirma que um novo deserto a sul e a leste do Mar de Aral já se expandiu para 5 milhões de hectares. Isto é muitas vezes referido ironicamente como 'deserto branco' por que os coletores de sal tóxico estão incrustados na sua superfície depois de se misturarem com Karakum (deserto negro) e Kyzylkum (deserto vermelho) que rodeiam o Mar de Aral. O enorme deserto de areia branca brilhante, que é soprada para terrenos agrícolas, contamina a terra e obriga os agricultores a compensarem a produção enfraquecida pondo mais pesticidas e fertilizantes na terra, envenenando-a ainda mais.
O escoamento do sal além de diminuir áreas utilizáveis para a agricultura destrói pastagens e, portanto, provoca carência de forragens para os animais. A produtividade das pastagens diminuiu para metade e a destruição da vegetação dos prados diminuiu 10 vezes sua produtividade.

b) Destruição dos peixes no Mar de Aral: Antes de 1960 a pesca era um negócio em expansão. Uma indústria de pesca que fora próspera no passado, foi afetada negativamente pelas quantidades crescentes de poluentes que chegavam ao Mar de Aral vindos dos rios, somando-se ao fato de que nos últimos 30 anos mais de 60% do lago havia desaparecido. Em conseqüência disso, começaram a aumentar as concentrações de sais e minerais na contraída massa de água. A salinidade da água do Mar de Aral aumentou a ponto de muitas das suas áreas terem a mesma salinidade do oceano. Esta alteração química provocou mudanças espantosas na ecologia do lago, provocando enormes baixas na produção de pescado do Mar de Aral. O conteúdo mineral na água aumentou quatro vezes atingindo 40g/litro, impedindo a sobrevivência da maioria dos peixes e da fauna selvagem do lago. O peixe quase desapareceu do que resta do lago, deixando milhares de pessoas sem meios de subsistência. Quando o Aral começou rapidamente a encolher, os barcos de pesca e as suas tripulações ficaram encalhados, algumas vezes a dezenas de quilômetros das antigas margens. [6] Toda a pesca comercial foi suspensa em 1982, sendo as capturas atuais insignificantes, e comunidades inteiras de pescadores estão desempregadas. A perda de produtividade provocou um colapso na indústria pesqueira e desemprego neste sector. Em 1960, foram capturadas 43.430 toneladas de peixe no lago, caindo para 17 mil toneladas em 1970, zero toneladas em 1980, e mantendo-se a situação até hoje [Letolle e Mainguet] .

Dois portos importantes, Aralsk e Moynaq, floresceram como centros de pesca. O porto de Aralsk, situado a norte do Pequeno Aral no Kasaquistão era uma cidade bem organizada, com um estaleiro naval e uma indústria de pesca. No estaleiro construíam-se barcos de 50 a 500 toneladas para transporte de carga e pesca no Mar de Aral. A estação ferroviária de Aralsk , situada na linha de Moscou a Tashkent e Almaty, era a ligação ferroviária mais importante da Ásia central. As cargas vindas pela ferrovia costumavam ser transferidas para os barcos e transportadas para sul, para o porto de Moynaq, em Karakalpsquistão, no Uzbequistão. [7] Em 1975, a pesca terminou no Pequeno Aral e Aralsk passou a ser um porto sem porto. A salinidade dos charcos aumentou, a caça diminuiu e o clima começou a sofrer alterações, tendo em vista o desaparecimento das grandes florestas de juncos e caniços quando a água secou. Para que fosse mantido o emprego na indústria de pesca, introduziram peixe congelado oriundo de outras partes da União Soviética, como o Mar Báltico, Mar Branco e Oceano Pacífico. Este processo cessou com a desintegração da Federação.

Moynaq, situada na margem sul do Aral, além de ser um centro de indústria de pesca foi antigamente uma popular estância balneária. É difícil imaginar que esta cidade foi um próspero local de veraneio. Multidões de turistas soviéticos juntavam-se em Moynaq para tomar sol nas antigas praias e nadar nas águas do Aral, famosas por curar doenças de pele. Crianças de cidades longínquas chegavam aos campos de verão para respirar o ar do mar e comer peixe fresco. Hoje em dia, Moynaq apresenta uma cintilante planura salgada, um cemitério de cascos enferrujados de barcos de pesca encalhados. O mar está a quilômetros de distância do passeio à beira-mar e não se vê a olho nu.

Esta situação não foi como uma conseqüência de um raio caído do céu. Desde 1970 que este assunto era amplamente discutido em círculos governamentais. Em 1977, a conferência soviética sobre o impacto ambiental de uma diminuição no nível do Mar de Aral, uma comunicação preparada por dois cientistas da República de Uzbeque, anunciava uma redução acentuada na produção de pescado [Gorodetskaya e Kes, 1978]. Outros, também por essa altura, sugeriam que a morte da pesca comercial ocorreria, provavelmente, devido à secagem dos leitos de desova dos peixes [Barovsky, 1980]. Foi também sugerido no mesmo fórum, que o esgotamento dos bancos de pesca no Mar de Aral seria uma das primeiras conseqüências do declínio dos níveis do mar. Havia um relatório publicado num jornal da autoria de A. U. Reteyum em que este assinalava que: ... “em 1965, o Conselho de Ministros da URSS tinha aprovado uma resolução especial 'Sobre as Medidas para Preservar a Pesca – Importância do Mar de Aral!” Isto é um exemplo que apóia a tese de que os sinais de deterioração na bacia do Aral eram evidentes já em meados dos anos 60 [Reteyum,1991]. Nos finais dos anos 70, era já claro que os bancos de pesca do Mar de Aral estavam num declínio irreversível e que, provavelmente, se tivessem sido adotadas medidas adequadas esta situação atual podia ter sido evitada.

c) Mudanças Climáticas: Durante os últimos 5-10 anos a secagem do Mar de Aral trouxe alterações evidentes nas condições climáticas. O efeito do aquecimento da água do mar no Inverno e o seu arrefecimento no Verão diminuiu dramaticamente. O Mar de Aral é um lago de deserto, com um clima continental forte, e uma variação de temperatura de 40 graus centígrados no Verão para 30 graus negativos no Inverno. No passado, o Mar de Aral era considerado como um regulador, mitigando os ventos frios que vinham da Sibéria no Inverno e evitando que as temperaturas de Verão subissem demasiado. Notava-se uma evaporação elevada (da ordem de 1.700 mm por ano). A evaporação era também a razão do bom clima ao redor de Aral antes da secagem do lago, e, apesar do alto nível de evaporação, era mantido o equilíbrio da água devido aos grandes caudais fornecidos pelos dois rios. As alterações climáticas deram origem a verões mais curtos e mais secos e invernos mais longos e mais frios na região. As temperaturas do ar no Inverno desciam e as temperaturas de Verão subiam 2 a 3 graus centígrados, incluindo observações de 49 ºC. Esta mudança para um clima mais continental, com verões mais curtos e mais quentes e invernos mais frios e mais longos, ocasionava pouca precipitação para a colheita seguinte. A precipitação foi reduzida várias vezes nas margens do Mar de Aral. A magnitude média da precipitação é de 150-200 mm com uma considerável variação de acordo com as estações. A estação mais prolongada baixou também para 170 dias, perdendo os 200 dias livres de geadas necessárias para as colheitas do algodão. Como já foi explicado anteriormente, a ocorrência freqüente de longas tempestades de poeiras e de ventos rasteiros são traços característicos desta região. As mais intensas ocorrem na costa oeste - com, talvez, 50 tempestades por ano. A velocidade máxima do vento atinge 20-25 m/s.

d) Condições Sanitárias: É opinião geral de que a crise sanitária na região está diretamente ligada ao desaparecimento do Mar de Aral. Para tornar as coisas ainda pior, as pessoas têm pouco acesso à água potável. Os produtos químicos escoados dos campos agrícolas poluíram ainda mais o Mar de Aral, tornando a sua água imprópria para consumo. O algodão é um patrão exigente. Não só tem mais sede do que a maioria das outras colheitas comerciais, como também necessita de fortes aplicações de pesticidas para afastar gorgulhos e outras pestes. Parece freqüentemente que nas mentes soviéticas a teoria era “se pouco faz bem, muito faz melhor”, — muita água, muitos pesticidas. Somando-se a isto a sementeira de algodão é normalmente pulverizada com um desfolhante no Outono, a fim de lhe retirar as folhas para tornar mais fácil a colheita. Uma vez que a bacia é um sistema fechado sem drenagem para o exterior, os inseticidas e herbicidas pulverizados nos campos escoam para a terra, acumulando no subsolo água a níveis perigosos. Como a maior parte da água da torneira vem de poços, as pessoas bebem um cocktail de produtos químicos diluídos, alguns identificados como cancerígenos. Níveis elevados de contaminação por pesticidas diminuem a capacidade do organismo humano de absorver ferro, provocando anemia. A água utilizada para consumo humano contém acima de 6 gramas de sal por litro, um nível quatro vezes superior à norma da Organização Mundial de Saúde. Isto tem sido relacionado com a prevalência de doenças renais. As tempestades de poeiras sopram violentamente durante mais de 60 dias por ano, espalhando resíduos tóxicos e sal deixado pela água do lago. Pensa-se que estas partículas sejam uma causa possível de doenças respiratórias e cancros. (Quando o lago eventualmente secar, calcula-se que 15 mil milhões de toneladas de sal serão lançadas na atmosfera). De acordo com Timothy Cummings, um delegado da Cruz Vermelha Americana que trabalha na região do Mar de Aral, a combinação de toxinas provenientes do ar e da água para consumo humano, aumentou a fraca saúde dos residentes. [8]

O Relatório sobre o Ambiente da URSS, uma publicação oficial do governo, salientou que a acumulação total de pesticidas no Turkmenistão era de 20 a 25 vezes da média nacional. “Em áreas de elevada utilização de pesticidas as doenças infantis (proporção de doenças) até à idade de 6 anos é 4,6 vezes superior à das regiões de baixa proporção de pesticidas” [Jones, 1999] . De acordo com a Academia de Ciências Soviética, a taxa de mortalidade infantil na região da Ásia central aumentou entre 1970 e 1985. Em Bozataus, uma região do Karakalpaquistão, uma área simultaneamente flagelada com falta de saneamento básico, cuidados de saúde infantil e maternais inadequados, e níveis crescentes de pesticidas e herbicidas na água, 110 em cada 1.000 crianças morrem antes de completarem um ano. Em comparação com 109 na África, 95 na Índia e 37 na China. Por exemplo, em Karakalpaquistão, a taxa do cancro do esôfago é sete vezes superior à do resto do país. E. Paronina, uma investigadora soviética, estudou as condições sanitárias em Karakalpaquistão e relatou as suas sombrias conclusões. Em resumo, eis o que ela afirma: “Tudo isto (crise sanitária) é resultado do alto preço pago pela população para se ter auto-suficiência em algodão” [Jones, 1991]. Não surpreende que toda a literatura médica local esteja repleta de histórias de deformidades à nascença, incremento de doenças renais e hepáticas, gastrite crônica, crescente mortalidade infantil e taxas de aumento de cancro.

As pessoas tiveram também que se adaptar a alterações drásticas no clima. Como já foi observado, nas últimas quatro décadas os verões tornaram-se mais quentes e mais curtos e os invernos mais frios. “As alterações climáticas não afetam, necessariamente, a propagação da doença, mas tornam a vida muito mais difícil,” diz Darin Portnoy, um especialista ocidental de tuberculose, que trabalha para um projeto do Banco Mundial em Moynaq. “As pessoas concentram-se em locais fechados durante longos períodos. Vivem encerrados e proporcionam a propagação da doença.” [9]

Quando parecia que as coisas não poderiam ficar mais deprimentes surgiu outra preocupante revelação Foi noticiado de que tinham sido enterrados barris de bactéria de antraz na Ilha de Vozrozhdeniye, situada no Mar de Aral, quando o Uzbequistão fazia parte da União Soviética. Durante o tempo que Mikhail Gorbachev esteve à frente do governo, os serviços de informação de Washington disseram que a União Soviética, contrariamente às suas promessas de respeitar os tratados, estavam produzindo armas químicas. Em 1988, os Estados Unidos exigiram que as instalações químicas soviéticas fossem inspecionadas. O governo determinou aos cientistas da cidade siberiana de Sverdiovsk, que transferissem centenas de toneladas de antraz para caixas gigantes de aço inoxidável e o regassem com lixívia para matar a bactéria. A mortífera carga foi depois transportada para a ilha no Mar de Aral que tinha sido um local de experiências de armas biológicas. Contudo, a lixívia não matou completamente a bactéria. Amostras de testes feitos ao solo revelam que alguns esporos continuam vivos. O receio é que a bactéria de antraz enterrada possa ser transportada para os territórios uzbeque e kazaque por lagartos e pássaros. O antraz caracteriza-se por lesões nos pulmões e úlceras no corpo e é transmitido aos humanos per animais através do contacto. Tanto o Uzbequistão como o Kasaquistão pediram ajuda aos Estados Unidos para que se fizesse a determinação do perigo que os seus territórios corriam, uma vez que a Rússia não cumpriu a promessa de Boris Yeltsin em 1992, de fechar e descontaminar o local [Jones, 1999].

Estratégia Regional para a Água

Já em 1982, o governo procurou desenvolver um plano pormenorizado dos recursos hídricos das bacias dos rios Sirdaria e Amudaria e colocou limitações à retirada de água. Pouco tempo depois, foram criadas duas organizações para operar e manter as principais infra-estruturas hidráulicas e controlar a utilização da água. Houve muitas propostas para se transferir água do Mar Cáspio para o Aral. [10] Um plano de longa duração consistia em desviar as águas dos rios siberianos Ob, Irtysh e Yenisey e canalizá-los para Sul, para a região do Mar de Aral e para o deserto. Após anos de controvérsia este plano foi abandonado devido aos custos e conseqüências ambientais, mas alguns cientistas locais ainda defendem a idéia. Outra sugestão era desfazer os glaciais das montanhas Pamir e Tien Shan com explosões nucleares. Estas idéias não eram realistas, especialmente em tempos de crise econômica. Todavia, elas ainda perduram.

Com o fim do período soviético, as cinco Repúblicas da Ásia Central (RAC) independentes, estabeleceram uma comissão conjunta para a coordenação da água e para regular a sua distribuição na bacia, consolidando posições próprias para a adoção de estratégias regionais para a água. Em 1992, foi pedido ao Banco Mundial que coordenasse a ajuda internacional em resposta à crise na bacia do Mar de Aral. Em Setembro do mesmo ano, uma comissão do banco visitou a região e preparou um relatório sobre aquilo que viu. Teve lugar em Washington, em Abril de 1993, uma conferência internacional patrocinada pelo Banco Mundial, Programa Ambiental da Nações Unidas (UNEP) e Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP) para discutir a proposta do banco. Estiveram presentes representantes das cinco repúblicas, assim como de outras organizações internacionais e agências de assistência. Com base nas recomendações do Banco Mundial, um grupo que incluía o Banco, o UNEP e o UNDP visitou a região em Maio de 1993 e preparou um programa de assistência financeira em colaboração com as RAC. Este programa continha 19 projetos para a primeira etapa de um programa de três fases para salvar o Mar de Aral [Kirmani e Moigne, 1997]. As RAC, por sua vez, criaram três organizações regionais - o Conselho Interestadual, o Fundo Internacional para o Mar de Aral e a Comissão Executiva - para implementarem o programa. [11] Foi encarada, e em parte implementada, uma maior utilização das águas de drenagem e residuais, assim como a introdução de colheitas mais tolerantes ao sal. Cerca de 6 km³/ano de águas de drenagens agrícolas e de águas residuais são diretamente reutilizadas para irrigação, enquanto 37 km³/ano regressam às depressões naturais ou rios, onde são misturadas com água fresca e podem ser reutilizadas para irrigação ou outros fins. O melhor que se espera é conseguir-se alguma estabilidade do lago e a sobrevivência dos dois deltas fluviais. A salvação dos deltas podia levar a uma nova atividade pesqueira comercial.

Líderes governamentais afirmaram que a quantidade de terra para algodão será reduzida e que grandes quantidades de água serão bombeadas para o Mar de Aral até 2005 [Bech, 1995]. Funcionários da agricultura, contudo, dizem que é impossível demolir o sistema de canais. Muitos agricultores dependem dos rendimentos da cultura do algodão. O governo indicou também que as necessidades dos agricultores de algodão estão em primeiro lugar. A exportação de algodão é uma fonte importante de rendimento. As RAC não querem extirpar a monocultura do algodão e arriscar perder as suas recompensas econômicas. E assim, a maioria dos cientistas acredita que o Mar de Aral nunca irá ser como foi.

O futuro do Mar de Aral é, portanto, incerto. A única coisa certa é que o lago é agora uma catástrofe ambiental à medida que o nível de água declina e o ecossistema se degrada, provocando um ambiente de deterioração e condições de vida e de saúde precárias para os povos que vivem nas margens do lago. É agora impossível prever, com algum rigor, o futuro para o Aral, mas se não se encontrarem soluções apropriadas o nível da água continuará a declinar. Seja qual for o futuro, esta situação de certeza que abriu os olhos aos governos do mundo. É um forte aviso à comunidade internacional e ilustra a rapidez – em menos de 20 anos – como uma tragédia humanitária e ambiental pode ameaçar toda uma região e a sua população. A destruição do Mar de Aral é um exemplo clássico de desenvolvimento não-sustentado.

NOTAS

1) Sinais de alteração apareciam por toda a parte durante os primeiros 20 anos do problema do Mar de Aral (1960-1980): Muitas das alterações ambientais adversas foram mencionadas em documentos científicos soviéticos em certas alturas dos anos 60 e 70.

2) Uma pequena porção das nascentes da bacia do Mar de Aral ficam localizadas na China e no Irão. O Afeganistão compartilha diretamente o Rio Amudaria, que constitui uma fronteira entre ele e o Uzbequistão, Tadjiquistão e Turkmenistão.

3) 'O Mar de Aral – Uzbequistão e Kasaquistão', Principais Lagos do Mês – Lagos Vivos, Julho – Agosto, 1998.

4) Um total de mais de 10 milhões de pessoas foram deslocadas para a Ásia central, muitas delas à força, por razões políticas, e a maioria foi para o Kasaquistão que até agora conta com cerca de 8 milhões de pessoas oriundas de outras partes.

5) A água salgada do terreno pode ser explicada por uma secagem total aparente do lago, que se estendeu para o interior centenas de anos atrás.

6) 'Água Contaminada Prejudica a Saúde na Região do Mar de Aral', Notícias e Realces, FAO das Nações Unidas, 27 de Janeiro de 1997.
- http://www.fao.org/NEWS/1997/970104-e.htm.

7) Esta região fazia parte da área do Kasaquistão antes da formação da URSS e é habitada principalmente por kazaques.

8) O Desastre Ecológico do Mar de Aral Provoca Crise Humanitária, Nas Notícias, escrito por Stephanie Kriner, Cruz Vermelha.
- http://www.redcross.org/news/in/asia/020410aral.html.

9) Medicina Itinerante, Participação nas Notícias, 3º trimestre 1998. Reproduzido de 'Médicos Sem Fronteiras', RU, edição nº13, Primavera de 1998.

10) Calcula-se que, pelo menos, 73 km cúbicos de água teriam de ser descarregados no Mar de Aral em cada ano, por um período de pelo menos 20 anos, a fim de se restabelecer o nível de 1960 de 53 m. acima do nível do mar. Os governos dos países marginais do lago consideram isto um 'objetivo irrealista'.

11) 'É a altura de salvar o Mar de Aral? Desenvolvimento em irrigação nos países da ex-União Soviética'. FAO AQUASTAT, Setembro,1998

segunda-feira, março 03, 2008

Energia e lixo: problemas e soluções

Por Chris Bueno
Lixo e energia podem ter mais em comum do que se imagina. Além de serem dois dos maiores problemas atuais – o crescimento da atividade industrial e do consumo gera, por um lado, aumento na produção de lixo, e por outro, o risco de falta de energia para atender a crescente demanda –, algumas das fontes de energia usadas atualmente são grandes produtoras de lixo, gerando resíduos, na maioria das vezes, prejudiciais à saúde. No entanto, o que é um grande problema pode ser, ao mesmo tempo, uma solução: o lixo pode se tornar ele mesmo uma fonte de energia.
A energia produzida no Brasil é majoritariamente limpa, pois é centrada nas hidrelétricas, que são responsáveis por 70,77% da matriz energética do país, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). No entanto, quando o nível dos reservatórios fica baixo, como na longa estiagem que houve em 2007, as termoelétricas movidas a gás ou a óleo são acionadas e elas produzem resíduos no processo de geração de energia. Na queima desses combustíveis, há emissão de gases poluentes, como o óxido nítrico (NO2) e o gás sulfuroso (SO2), que podem não apenas causar riscos à saúde, como problemas respiratórios, mas também contribuir para o aumento do efeito estufa. Também pode ocorrer contaminação de rios, lagos e mananciais, com o descarte incorreto dos resíduos gerados pelas termoelétricas.
Um caso que está criando polêmica atualmente é o da cana-de-açúcar utilizada para gerar biocombustível. O que em teoria deveria ser uma energia limpa está sendo colocado em xeque por vários pesquisadores, que apontam os problemas que a queima da palha da cana-de-açúcar, realizada durante a colheita, traz para o meio ambiente e para a saúde humana. Duas pesquisas feitas recentemente no Instituto de Química da Unesp relacionaram essa queima a problemas respiratórios e quantificaram as emissões de compostos de nitrogênio na atmosfera. “Este processo acaba interferindo diretamente na saúde da população, pois a combustão da palha da cana-de-açúcar libera poluentes e o principal dano é o prejuízo à qualidade do ar e, conseqüentemente, da saúde, pela excessiva emissão de monóxido de carbono e ozônio, trazendo também danos ao solo, às plantas naturais e cultivadas, à fauna e à população”, escrevem Maria Nazareth Vianna Roseiro, mestre em saúde pública, e Ângela Maria Magosso Takayanagui, professora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, ambas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP, no artigo “Meio ambiente e poluição atmosférica: o caso da cana-de-açúcar”. Em algumas regiões do estado de São Paulo, a queima da palha durante a colheita chegou a ser proibida em 2006, no período em que a umidade relativa do ar atingiu níveis muito baixos.
O lixo nuclear talvez seja o caso mais emblemático: apesar de ser uma energia limpa, seus resíduos são um dos pontos que mais pesam em relação à rejeição ao seu uso. Esses resíduos são altamente tóxicos, com risco de desenvolvimento de câncer mesmo em pessoas expostas a baixas doses de radiação. São também muito poluentes, podendo contaminar o ar, a água e o solo. Tanto que o Greenpeace lançou em 2005 um relatório de 128 páginas sobre os riscos desse tipo de energia. Embora haja planos para a expansão da energia nuclear no Brasil, ainda não foi decidido qual será a destinação de seus resíduos. Atualmente, os resíduos de baixa e média densidade são depositados em tambores especiais, onde ficam armazenados até perderem sua radioatividade. Já os resíduos de alta densidade são depositados provisoriamente em piscinas de concreto especialmente preparadas, porém ainda não se definiu qual será o destino definitivo para eles. Dar uma destinação segura a esses resíduos diminuiria a rejeição a esse tipo de energia.
O caminho inverso
O lixo nuclear é exemplo de resíduo que também pode ser reaproveitado na própria geração de energia. O rejeito de alta radioatividade, que a indústria chama de subproduto, é formado pelo elemento combustível já irradiado dentro do reator. Normalmente, esse elemento é retirado do reator com apenas 15% da sua capacidade utilizada, podendo, então, ser reutilizado. O que já ocorre hoje em dia, no caso da usina receber elementos combustíveis com algum tipo de problema, é ela recorrer a esses resíduos em combinação com o novo. No entanto, o desenvolvimento de pesquisas pode levar à reutilização de uma maior parte desses resíduos, tornando a energia nuclear menos poluente e mais econômica.
O óleo de cozinha também pode passar de poluente a fonte energética. O resíduo, geralmente despejado em pias, ralos e até vasos sanitários, é um grave problema para rios, lagos e mananciais, pois não se dissolve nem se mistura com a água, formando uma camada densa na superfície, que impede as trocas gasosas e a oxigenação. Porém, se coletado, o óleo e outras gorduras de origem animal ou vegetal utilizado no preparo de alimentos, pode ser transformado em biodiesel – uma energia limpa e barata. A técnica já provou dar certo: uma parceria entre a Unicamp e a prefeitura de Indaiatuba (SP) possibilitou a instalação de uma usina capaz de transformar o óleo de cozinha em biodiesel, que já responde pelo abastecimento de toda a frota do Serviço Autônomo de Água e Esgotos da cidade.
Transformar resíduos em energia não é novidade no mundo desenvolvido. Nos países europeus, nos Estados Unidos e no Japão, essa técnica já está em prática desde os anos 1980. Mas o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil produz cerca de 150 mil toneladas de lixo por dia. A maior parte desses resíduos (aproximadamente 60%) tem seu destino em lixões, aterros sanitários irregulares, leitos de rio ou ainda queima a céu aberto. Os lixões e aterros existentes já estão, em sua maioria, saturados. Apesar disso, quase nada dos resíduos brasileiros é transformado em energia, ao contrário dos países ricos, que processam 130 milhões de toneladas de lixo, gerando energia elétrica e térmica em 650 instalações. Somente a União Européia extrai 8.800 megawatts de 50,2 milhões de toneladas por ano em 301 usinas, segundo dados da última edição da Waste to Energy International Exhibition & Conference from Waste and Biomass (http://www.wte-expo.com/), conferência internacional sobre últimas novidades e tecnologias ligadas à geração de energia a partir do lixo, realizada em maio de 2007 na Alemanha.
“É muito significativa a contribuição que essa nova forma de se gerar energia pode trazer. De fato, cada 200 toneladas por dia da fração orgânica dos resíduos sólidos domiciliares permitem a implantação de uma usina termelétrica com a potência de 3 megawatts, capaz de atender uma população de 30 mil habitantes. Isso quer dizer que, se a fração orgânica (60%) de todo o lixo domiciliar brasileiro fosse utilizada para produzir energia elétrica, poderíamos implantar usinas termelétricas com potência significativa, cujo valor seria apreciável”, escreve o economista Sabetai Calderoni, doutor em ciências pela USP, em seu livro Os bilhões perdidos no lixo. Contudo, o potencial brasileiro para transformar lixo em energia permanece subutilizado, mesmo com o aumento de 5,4% no consumo de energia no país no ano passado, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O dado é preocupante para um país que recentemente passou por um racionamento de energia e ainda vive sob o fantasma do apagão.
“A maior parte dos problemas causados pelo lixo pode ser resolvida com sua conversão em energia”, explica Luciano Basto Oliveira, doutor em planejamento energético pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da UFRJ, e assessor da Superintendência de Gás e Biocombustíveis da EPE. “É uma questão tecnológica, com suas repercussões ambientais, sociais e financeiras. Isto já é feito em diversos lugares, sobretudo no hemisfério norte, onde se encontram os países mais ricos. Só no caso do lixo urbano, existem mais de 1.700 usinas de geração elétrica em funcionamento, aplicando cerca de 100 tecnologias”, aponta.
Usar o lixo para gerar energia é uma solução não apenas econômica, mas também social e ambiental. Basta pensar que o destino mais comum do lixo brasileiro, os lixões e aterros, também são um problema para a saúde e para o meio ambiente, pois contaminam o solo com um líquido altamente tóxico, chamado chorume, que polui também as águas de lençóis freáticos, e produzem metano (CH4), um gás ainda mais prejudicial à atmosfera que o próprio dióxido de carbono (CO2), considerado o grande vilão do efeito estufa. Essa situação pode ser revertida com uma ação relativamente simples: o aproveitamento do gás produzido nos depósitos de lixo como fonte de energia.
“ Os processos de geração de energia a partir de lixo sólido são basicamente dois: a fermentação anaeróbica de lixo por microorganismos, com geração de metano como produto metabólico, e a incineração controlada do lixo”, explica José Aurélio Medeiros da Luz, um dos líderes do grupo de pesquisa sobre tratamento de minérios e resíduos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Segundo o pesquisador, a fermentação – decomposição da matéria orgânica – é geralmente feita em biodigestores, ou em aterros sanitários munidos de sistema de dutos de coleta do biogás, um conjunto de gases gerados por essa decomposição. O biogás possui entre 50% e 70% de metano, que tem poder calorífico, isto é, pode ser queimado para gerar energia. No caso da incineração, a energia é gerada através da queima completa dos resíduos. Esse processo produz monóxido de carbono, que também apresenta poder calorífico. Em ambos os casos, é possível não apenas gerar energia a partir do lixo, mas também utilizar a redução das emissões de gases de efeito estufa para negociar certificados de créditos de carbono com valor no mercado financeiro, de acordo com o Protocolo de Kyoto.
Potencial brasileiro
O Brasil possui grande potencial para gerar energia elétrica a partir de resíduos sólidos e a alternativa poderia aumentar a atual oferta do país em 50 milhões de megawatt-hora por ano, o que representa mais de 15% do total atualmente disponível ou cerca de um quarto do que gera a usina hidrelétrica de Itaipu. “ O caminho é mais curto que parece, pois a comprovação do baixo custo da eletricidade tornará esta fonte interessantíssima, sobretudo quando assimilada sua característica de segurança energética”, declara Oliveira, da UFRJ.
As vantagens são muitas. Diminuição dos aterros sanitários e lixões, menor produção de gases poluentes, menos riscos ao meio ambiente e à saúde humana, mais economia e mais empregos são apenas algumas delas. Aliás, a economia é um dos grandes chamarizes de se transformar lixo em energia: em seu artigo “Lixo que vale ouro”, Oliveira aponta que o Brasil pode vir a ter, com a implantação desse sistema, uma receita da ordem de R$ 9 bilhões por ano. O montante viria da conservação de energia, da venda de recicláveis e da comercialização de créditos nas emissões de gases evitadas, como o carbono e metano. “Na verdade, a questão energética ligada ao lixo deve ter duas vertentes: a que primeiramente nos ocorre é a geração de energia a partir de lixo, e a segunda, que não deve ser esquecida, é a reciclagem de produtos constituintes do lixo, de cuja produção primária a energia entra como insumo. Reciclá-los usualmente diminui a demanda energética dentro do setor industrial pertinente”, afirma Luz, da Ufop.
Porém ainda há muitos desafios a vencer. O maior deles, como aponta Oliveira, é a desinformação, já que poucos acreditam ser possível que o lixo pode se tornar fonte de energia, o que resulta no subaproveitamento do potencial brasileiro. “Além de algumas iniciativas quanto ao aproveitamento de biogás de aterros, não existem projetos com outras tecnologias em curso no país para explorar todo este potencial”, explica o pesquisador. Mas isso não é motivo para desânimo. “Isso comprova a necessidade de planejamento, o que acaba de ser incorporado pela EPE, que está criando uma base de dados sobre os parâmetros das tecnologias disponíveis no mundo, a composição típica dos resíduos de cada região, a capacidade de aproveitamento dos co-produtos de cada processo, os preços dos energéticos e dos produtos que possam ser substituídos e a quantidade de emissões de gases de efeito estufa reduzida por tecnologia, com o intuito de facilitar a escolha sobre a tecnologia a ser aplicada”, conclui.