segunda-feira, agosto 28, 2006
domingo, agosto 27, 2006
Mercosul: novo parceiro, velhos problemas
Hugo Chávez vem definindo o ingresso da Venezuela no bloco como uma estratégia política dos países sul-americanos para fazer frente aos Estados Unidos que, cada vez mais, diante do fracasso da Alca, estariam recorrendo a acordos bilaterais com países da região. “Os interesses venezuelanos no Mercosul são prioritariamente políticos. A Venezuela pôs-se a negociar sem sequer ter uma idéia precisa sobre o impacto de sua adesão à união aduaneira mercosulina. Porém, do ponto de vista comercial, a incorporação da Venezuela ao Mercosul não operará mudanças significativas de fluxos, em particular no que se refere ao Brasil, cuja balança segue francamente superavitária em suas relações com aquele país”, afirma Deisy Ventura, doutora em direito internacional e europeu pela Universidade de Paris 1.
Ex-consultora jurídica da secretaria do Mercosul, Ventura chama a atenção para o estatuto sui generis que a Venezuela já possui no bloco. “Por intermédio de um acordo-quadro com o Mercosul, assinado em dezembro de 2005, a Venezuela conquistou o direito de participar das reuniões dos órgãos decisórios do bloco, com direito a voz - o que, em se tratando de Chávez, o mínimo que se pode dizer é que não se trata de concessão ligeira - prerrogativa inédita para um Estado associado. Portanto, a Venezuela é mais do que um associado e menos do que um membro, tendo pago por isto um custo baixo: o de negociar sua adesão. Esse caráter peculiar não tem se mostrado construtivo a médio e longo prazo. Por isso, seria importante promover o quanto antes a adesão plena da Venezuela”, defende a jurista.
Para Miriam Gomes Saraiva, professora do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), existe o interesse comercial venezuelano em conseguir maiores mercados para os seus produtos, sobretudo o petróleo que, atualmente, é vendido em sua maioria para os Estados Unidos. Mas, ao abrir o seu mercado, principalmente para a concorrência com o Brasil, os venezuelanos correm o risco de prejudicar outros dos seus produtos internos. Ainda assim, o interesse político venezuelano no Mercosul seria maior. “Chávez tem um projeto de integração sul-americana que vem combinado com seu anti-norte-americanismo. A entrada para o bloco fortaleceria também o seu governo, que vem sendo acossado pelos Estados Unidos e também por outros governos da região”, lembra Saraiva.
Outra consequência, segundo a historiadora e cientista política, seria o equilíbrio interno que a Venezuela pode conferir ao bloco - “a presença de apenas dois países fortes e ao mesmo tempo tão desiguais, como Argentina e Brasil, é sempre difícil”. Por outro lado, a Venezuela poderia vir a dificultar a tradição democrática recente dos países do bloco. “Me preocupa que o estilo populista anti-norte-americano e autoritário de Chávez contagie, por exemplo, o governo argentino” adverte. A democracia que caracteriza os regimes políticos domésticos dos membros do Mercosul já se viu recentemente ameaçada por tentativas de golpe de Estado no Paraguai. O Brasil e a Argentina desempenharam um papel importante para evitá-los. Em julho de 1998, por meio do Protocolo de Ushuaia, foi incorporada uma cláusula democrática ao Tratado de Assunção – que criou o Mercosul em 1991. A claúsula condiciona os Estados-partes do bloco a possuírem regimes democráticos.
Fragilidade institucional
Marcada por crises e problemas postos pelas assimetrias – econômicas e jurídicas – existentes entre os seus países-membros e pela prevalência da relação entre Brasil e Argentina – deixando o Paraguai e Uruguai em segundo plano – a trajetória do Mercosul revela que os grandes desafios para a sua continuidade passam pelo aperfeiçoamento da sua estrutura institucional: o Mercosul precisa, para sua própria sobrevivência, adquirir um perfil supranacional que seja capaz de se sobrepôr aos interesses de cada Estado.
“A história do Mercosul é marcada pela ciclotimia, gerada na incapacidade de diferenciar a integração regional das demais expressões da política externa dos Estados. Nos momentos de euforia, os governos não souberam transformar seus discursos em ações, estratégias e políticas regionais efetivas”, avalia Deisy Ventura. Para ela, seriam dois os principais desafios atuais do Mercosul. “Do ponto de vista dos governos, é necessário compreender que a verdadeira integração econômica lança seus atores em um vasto canteiro de obras interno, em particular no campo das reformas estruturais, que exigem maiores esforços no plano nacional que no externo. O Mercosul precisa ser incluído seriamente na agenda política nacional, conquistando o apoio da classe política e envolvendo amplos setores do governo. Do ponto de vista da sociedade civil, é preciso lutar para que a idéia da integração regional, como garantia de paz e desenvolvimento para nosso continente, não seja desperdiçada pelas burocracias nacionais, cuja opacidade, aliada a uma escassa eficiência, têm hipotecado o futuro do Mercosul”.
Embora a integração tenha avançado do ponto de vista comercial e, curiosamente, militar, no que diz respeito à infra-estrutrutura, à dimensão institucional e à articulação de políticas conjuntas houve poucos avanços. As expectativas existentes nos meios político e acadêmico, segundo Miriam Saraiva, são das mais variadas. Setores acadêmicos mais favoráveis ao Mercosul esperam a formação de um Parlamento, que está em curso. “Acho, porém, que o principal agora é que o bloco consolide o que já foi conseguido para poder seguir adiante”.
O programa de integração Brasil-Argentina, de meados da década de 1980, antecedeu a criação do Mercosul e tinha como o objetivo uma integração mais orientada para o setor de infra-estrutura e de articulação de políticas tanto externas quanto econômicas. Quando o Tratado de Assunção foi assinado, em 1991, formando o Mercosul, os objetivos foram mudados e a integração orientou-se mais para o lado econômico. Essa transformação acabou comprometendo a integração política. “Foi um processo de integração pragmático. Avançava-se onde houvesse menos resistência. Essa falta de articulação em outras dimensões facilitou a manutenção das assimetrias e, como agravante, os governos nacionais nunca quiseram abrir mãos de algumas prerrogativas da soberania nacional”, lembra Saraiva.
Argentina e Brasil
A política externa tornou-se, assim, umas das áreas sensíveis para os países do Mercosul. Investimentos recentes tanto do governo brasileiro quanto do argentino indicam que, do ponto de vista das relações internacionais, o Mercosul ainda é posto em segundo plano, em nome do que seria a soberania nacional. O governo Lula tem fortalecido a corrente do Itamaraty que defende a construção de uma liderança brasileira na América do Sul. A diplomacia argentina, por sua vez, investe numa liderança alternativa ao Brasil, buscando conquistar espaço na Organização dos Estados Americanos (OEA), estreitar relações com o Chile – rival histórico – com a Venezuela e, ao mesmo tempo, manter boas relações com os Estados Unidos.
Uma das ações recentes e mais significativas do Brasil, no que diz respeito à política externa, foi a retomada da campanha pela inclusão do país como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e a participação brasileira nas Forças de Paz do Haiti. A última rompeu com um dos preceitos mais tradicionais da política externa brasileira, o da não-intervenção. “Este comportamento não vem sendo secundado pela Argentina nem gerou uma parceria entre Argentina e Brasil no campo da política externa. Não vem significando um esforço do Mercosul como bloco. É um movimento brasileiro. A Argentina, por seu turno, busca um espaço próprio de atuação frente aos temas sul-americanos que dificulte uma projeção brasileira autônoma. A busca, por parte da diplomacia argentina, de um espaço próprio frente à região vem ocupando lugar de destaque no arco das atuações externas do país”, avalia Miriam Saraiva em artigo recente publicado na revista Cena Internacional.
A eleição de Lula e de Kirchner parecia abrir espaço para a construção de uma parceria mais sólida no campo político entre os dois países. Havia a idéia de que a coexistência de governos de esquerda facilitaria essa aproximação, e não faltaram declarações – reproduzidas à exaustão, pela imprensa – dos dois lados, apontando nesse sentido. “Essa aliança mais permanente, porém, seria um elemento ainda a se construir e difícil por tratar-se de uma relação assimétrica onde as partes não têm claro o peso que cada uma delas pode ocupar”, lembra a autora. Em pouco tempo, a política externa brasileira entrou em choque com percepções mais nacionalistas no interior da Argentina, que a identificaram como imposição de uma liderança individual do Brasil à qual estão buscando fazer frente.
Economias desiguais
Nâo só no que diz respeito à integração política, as dificuldades na integração comercial do Mercosul, por conta das diferenças nos perfis do comércio exterior de seus países-membros, também têm sido recorrentes. O setor industrial argentino se vê prejudicado pelas volumosas importações de produtos manufaturados – com destaque para os eletrodomésticos – do Brasil (que contabilizaram, em 2005, 92% do total de produtos brasileiros exportados para a Argentina). No Brasil, por sua vez, produtores de arroz, cebola, trigo, vinho e alho, sentem-se prejudicados pela concorrência argentina.
Nesse contexto, a união aduaneira – prevista no Tratado de Assunção que criou o Mercosul em 1991 – ainda não funciona. Produtos que entram, por exemplo, por um porto brasileiro, voltam a ser taxados quando cruzam fronteiras dentro do Mercosul. A manutenção dessas barreiras naquilo que deveria ser um mercado comum tem sido uma das críticas da União Européia (UE) ao Mercosul nas negociações em torno da assinatura de um acordo de livre comércio entre os dois blocos.
“Esse acordo traz em seu bojo mais que uma área de livre comércio. Tem uma dimensão de cooperação e outra de diálogo político que é muito importante. Não se trata apenas de um acordo de mercado. Infelizmente, porém, é a parte comercial que está travando as negociações. O Mercocul faz reivindicações que a UE não acata – abrir o mercado para os produtos agrícolas – e os europeus fazem exigências também não atendidas – abrir o mercado de produtos de tecnologia de ponta e de setores de serviço, com destaque para as licitações públicas”, avalia Saraiva.
A possibilidade do acordo entre os dois blocos foi uma das pautas da recente Rodada Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Brasil, que liderou a oposição ao projeto da Alca proposto pelos Estados Unidos, se volta, agora, para a União Européia. “A diferença da Alca para a UE é que a Alca tem um caráter estritamente mercadológico, ou seja, não proporciona outros benefícios. Em termos de comércio, não difere muito das propostas da UE. Uma aliança com os Estados Unidos, para o governo atual, é menos interessantes politicamente do que com a UE”, acredita Miriam Saraiva.
Mas as relações de alguns Estados-partes do Mercosul com os Estados Unidos segue sem maiores sobressaltos, principalmente por parte daqueles que se sentem prejudicados pelo bilateralismo Argentina-Brasil existente no bloco: Paraguai e Uruguai. Existe, portanto, uma ameaça latente ao Mercosul posta também pela tendência recente da política externa estadunidense em assinar acordos bilaterais. Recentemente, o Paraguai ameaçou recorrer aos Estados Unidos, oferecendo território para a instalação de uma base militar americana em troca de um acordo comercial. Diante de um déficit de 355 milhões de dólares em sua balança comercial, o ministro da economia do Uruguai, Danilo Astori, tem defendido a idéia de que os “sócio-menores” do Mercosul possam assinar, sozinhos, acordos de livre comércio bilaterais, o que não é juridicamente permitido no bloco. “Resta a incógnita de saber qual será a reação do Brasil e da Argentina caso o Uruguai firme o acordo bilateral com os Estados Unidos”, lembra Deisy Ventura.
Europa devolve arroz transgênico dos EUA por risco à saúde humana
A União Européia se recusou a receber, na última quarta-feira, remessas de arroz transgênico originários dos Estados Unidos e que seriam importados para consumo na Europa. “A extensão da contaminação na rede de fornecimento americana ainda é desconhecida”, disse o porta-voz da União Européia, Philip Tod.
Segundo os países da União, é uma medida preventiva já que nem mesmo os Estados Unidos conseguiram provar que o arroz transgênico é seguro para consumo humano. Por isso, os Estados Unidos serão obrigados a certificar que, a partir desta quarta-feira, todas as remessas de arroz de grão longo estão livres da variedade ilegal GMO LL Rice 601.
Além disso, a comunidade européia tomou medidas urgentes para excluir do bloco os lotes contaminados de arroz, exigindo que as exportações vindas dos Estados Unidos recebam fiscalização e certificações especiais.
Ramsey Clark: ‘EUA e Israel devem pagar por seus crimes’
O ex-procurador-geral dos EUA, Ramsey Clark, lançará uma campanha internacional no dia 30 “para exigir a responsabilização dos Estados Unidos e de Israel pelos crimes de guerra no Líbano e Palestina”
O ex-ministro da Jus tiça do governo Johnson, Ramsey Clark, anunciou que a entidade que preside, o Centro de Ação Internacional (IAC, na sigla em inglês), lançará no dia 30 de agosto uma grande campanha, dentro dos EUA e internacionalmente, “para exigir a responsabilização dos Estados Unidos e de Israel pelos crimes de guerra no Líbano e Palestina”, o pagamento de indenizações pela destruição e perda de vidas causada, e o indiciamento de Bush e das autoridades israelenses. O ato será no Church Center das Nações Unidas, em Nova Iorque.
Ramsey afirmou que “vimos no Líbano uma guerra de agressão, o crime internacional supremo”, assim como já ocorrera no Iraque. A propósito, foi o Tribunal de Nuremberg, que julgou os capos nazistas, que criou essa definição. O líder do IAC acrescentou que foi “um ataque contra a soberania do Líbano, violando o Primeiro Princípio da Carta das Nações Unidas”, e perpetrado com “uso de força excessiva”. Aviões israelenses “golpearam uma nação indefesa contra assaltos aéreos”, reiterou, “bombardearam indiscriminadamente”, fizeram “civis de alvo”, cometendo uma “punição coletiva, na qual todos no Líbano sofrem”. Ele advertiu que a repulsa a Israel e aos EUA “sobrepuja todas as demais emoções no Líbano e por todo o mundo árabe” e que mais indignação “se espalha por todos os continentes”.
MULHERES E CRIANÇAS
“A nova tragédia do Líbano trouxe a morte para milhares de civis, crianças, mulheres e homens. Centenas de milhares, aproximadamente um-quarto da população de quatro milhões, estão refugiados de seus lares, dentro e fora do seu país”, denunciou Ramsey. Também está destruída a infra-estrutura, que só poderá ser recons-truída “se e quando a paz chegar”, apontou.
Ramsey reiterou que os integrantes dos governos dos EUA e de Israel responsáveis por essas agressões “deverão ser mantidos à disposição para indiciamento” por seus crimes de guerra. A campanha vai exigir, ainda, que os governos agressores dos EUA e de Israel, paguem “indenizações por mais de mil mortos, muitos milhares de feridos e estimados US$ 10 bilhões pela destruição de instalações civis no Líbano em apenas um mês”. Como ficou notório, Bush, além de fornecer as bombas a Israel, deu “sinal verde” para a continuação do bombardeio, impediu que o Conselho de Segurança da ONU decretasse imediato cessar-fogo e planejou previamente a agressão junto com Israel.
DESTRUIÇÃO NA PALESTINA
Mas não apenas no Líbano. Os agressores também serão responsabilizados “por milhares de mortos e feridos na Palestina desde os Acordos de Oslo, sistemática destruição do governo da Palestina, seqüestro de metade do ministério e do presidente do parlamento palestino, assassinato de líderes e indiscriminada matança de civis, assim como a destruição dos escritórios do Presidente Arafat, do Ministério do Exterior e de instalações civis em Gaza e na Margem Ocidental”, complementou o jurista.
O suposto pretexto de Israel para agredir o Líbano, a captura de dois soldados – na verdade uma provocação montada por Tel Aviv-, também foi questionado por Ramsey. “Apenas uma pessoa com uma memória que não alcance mais de três semanas poderia acreditar que a captura de três soldados israelenses começou a atual violência”, referindo-se às sete invasões cometidas por Israel e às inúmeras incursões. “Não foi Israel que seqüestrou metade do ministério israelense e se engajou em execuções sumárias por toda a Palestina desde que as eleições deste ano deram a maioria ao Hamas no parlamento palestino? Não houve ataques à vontade contra o povo palestino por décadas?” – destacou.
FRACASSO DE BUSH
Ramsey também colocou em questão se a retirada forçada, por pressão dos EUA e de Israel, das tropas de paz da ONU do Líbano, depois do atentado que matou o primeiro-ministro Hariri não passou de “prelúdio de um plano de Israel para assaltar o Líbano e reocupar até o rio Litani”. Indo além, ele disse que é preciso indagar se “o feroz ataque ao Líbano e Palestina é o prelúdio para ações mais extensas contra a Síria e o Irã”. Bush tem deixado claro que quer uma “troca de regime no Irã e Síria” e tentou “jogar nos dois a responsabilidade” pela violência no Líbano e na Palestina, lembrou.
Ramsey, que integra a equipe de defesa do presidente Sadam, denunciou que o fracasso de Bush no Iraque o faz necessitar “de novas ameaças para desviar a atenção do povo dos EUA daquilo que sua política de Choque e Horror trouxe para o Iraque, para nós e para o mundo”. “A guerra no Líbano ajuda a desviar temporariamente a atenção e serve para estender o conflito para incluir a Síria e/ou Irã. Se isso não funcionar, sempre há Cuba, Coréia do Norte, Somália, Sudão, Venezuela e outros contra os quais agir”, advertiu.
Ele afirmou que “o futuro da Palestina continua sendo a questão central para a paz no Oriente Médio”, estando “mais ameaçado do que em qualquer outra vez desde os Acordos de Oslo”. “Todos na Palestina sofrem da violência desencadeada pelo renovado “Mapa da Estrada” para a guerra de Israel”, denunciou. “Isolado entre os chefes de governo do mundo inteiro, Bush vem dando sustentação a cada ato de Israel, cada ataque contra o Líbano e a Palestina”, afirmou o jurista.
Encerrando sua convocação, Ramsey alertou o povo americano de que, se for permitido que Bush “prossiga com sua política de dominação através da ameaça e da força fora da lei”, nós nos arriscamos a uma “ainda maior ampliação da violência internacional”. “Vamos perseverar até que a paz prevaleça”, convocou Ramsey, após conclamar cada americano a “dar o melhor que puder” para a campanha. “Espero vocês no Church Center no dia 30”.
ANTONIO PIMENTA