A julgar pelos cálculos do último ano, a velocidade de disseminação da epidemia mundial de Aids parece ter arrefecido. Dois grupos da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicaram estimativas a respeito do número de pessoas HIV-positivas que contradizem previsões anteriores. Segundo ambos os estudos, haveria hoje 33,2 milhões de infectados, ao contrário dos 39,5 milhões citados nas estatísticas de 2006.
O número anual de novas infecções também teria caído: 4,3 milhões de novos casos em 2006, ante 2,5 milhões em 2007.De acordo com essas avaliações, a incidência mundial teria alcançado o pico na segunda metade dos anos 1990.
Embora favoráveis, os dados não devem gerar otimismo. Parcela significante das previsões anunciadas pelo Joint United Nations Programme on HIV/Aids (Unaids) e pela OMS resulta do fato de que as anteriores estavam exageradas. Um entendimento mais abrangente da dinâmica de transmissão da infecção combinado com o aperfeiçoamento dos métodos de cálculo da prevalência do HIV justificaria as quedas documentadas nos relatórios de 2007.
Mudanças comportamentais que levaram à adoção de medidas preventivas, como prática de sexo seguro e abandono do uso de drogas injetáveis, contribuíram para as reduções observadas em alguns países, mas não conseguem explicar os resultados globais.
As diferenças levaram alguns críticos a atribuí-las à manipulação anterior dos dados pelas agências internacionais, com o objetivo de obter fundos mais generosos para o combate da epidemia. Os técnicos do Unaids e da OMS negam com ênfase tal acusação; defendem-se justificando que trabalham com as informações mais confiáveis disponíveis ao fim de cada ano.
Cerca de 70% da queda do número de infectados veio de Angola, Índia, Quênia, Moçambique, Nigéria e Zimbábue. Na Índia, ocorreu a mudança mais significativa: 5,7 milhões de infectados nas estimativas de 2006 e 2,5 milhões nas atuais.
No Zimbábue e no Quênia, parte da redução está relacionada com a adoção de práticas de sexo seguro. Em outros países, no entanto, a justificativa está na identificação mais acurada dos portadores do vírus através de centros-sentinela distribuídos em áreas mais remotas. Apenas na Índia, hoje existem 1.100 desses centros, ante 155 no fim dos anos 1990.
Os inquéritos epidemiológicos mais recentes revelaram que aqueles do passado, ao extrapolar para a população geral a predominância encontrada em clínicas de atendimento pré-natal, inflacionavam a parcela de infectados em cerca de 20%, uma vez que não levavam em conta a prevalência mais baixa nas mulheres sexualmente inativas, nas que só praticam sexo seguro e nos homens.
Nem todas as taxas caíram, entretanto. Nos países do Leste e da região central da Ásia, a prevalência aumentou 150%, desde 2001. Cerca de 90% dessas novas infecções aconteceram na Rússia e na Ucrânia. No Vietnã, a prevalência duplicou entre 2000 e 2005. Na Indonésia, a velocidade de propagação é a mais rápida do continente asiático. Surgiu mais um dado importante nesses estudos: sem tratamento, a infecção pelo HIV leva, em média, 11 anos para manifestar os primeiros sintomas, ao contrário dos nove anos, como se supunha. Essa velocidade mais lenta de progressão para as fases sintomáticas da Aids modifica os índices de mortalidade. O uso de medicamentos contra o vírus, hoje disponíveis para mais de 2 milhões de portadores que vivem em países de renda per capita baixa ou intermediária, também contribui para a redução da mortalidade: 2,9 milhões de óbitos em 2006, ante 2,1 milhões em 2007.
Estatísticas otimistas à parte, a existência de 33 milhões de portadores de um vírus sexualmente transmissível causador de uma infecção incurável, controlada com dificuldade apenas por meio do uso contínuo de medicamentos causadores de efeitos indesejáveis, acessíveis mundialmente a uma parcela ínfima dos infectados, dá uma dimensão da tragédia humana provocada pela epidemia.
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