quinta-feira, julho 31, 2008

Governo quer coibir ocupação de estrangeiros na Amazônia

 

Só um milionário sueco possui 160 mil hectares e sua ONG 145 mil. Incra mostra que estrangeiros são donos de 33 mil imóveis rurais na região

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) investigou as atividades do milionário sueco, com cidadania britânica, Johan Eliasch, que adquiriu através de um “fundo de investimento” de sua propriedade, com sede em Delaware, nos Estados Unidos, terras na Amazônia que somam 160 mil hectares, área maior que a cidade de São Paulo.

Segundo o relatório da Abin, Eliasch é também um dos fundadores e controladores da ONG britânica “Cool Earth”, denunciada por receber doações através de seu site na internet para comprar terras na Amazônia. Pela internet, a Cool Earth pede doações para “preservar” a floresta Amazônica. Segundo a Abin, há indícios de que isso é uma fraude e que os recursos são utilizados para adquirir terras na Amazônia.

A investigação identificou cinco áreas de proteção ambiental, num total de 145 mil hectares, que estariam sob controle da ONG britânica. Duas das áreas identificadas pelo órgão são bastante suspeitas: Cristalino e Teles Pires, na divisa dos estados de Mato Grosso e Pará. Elas somam 130 mil hectares (1.300 k2). Segundo o relatório, esses dois projetos estão ladeados “por solicitações de pesquisa geológica de reservas de ouro”. Além disso, diz a Abin, “esta região repousaria sobre formação geológica rica em lamprófiro, mineral encontrado em áreas de jazidas de diamante”.

O relatório da Abin, que teve trechos divulgados no Programa “Fantástico”, da Rede Globo, no último domingo, informa ainda que “diferentemente do que atesta os certificados emitidos pela ONG, há áreas já desmatadas e duas pequenas centrais hidrelétricas nos rios Nhandu e Rochedo”. A porta-voz da ONG britânica no Brasil é a socialite paulista, Ana Paula Junqueira, organizadora junto com outros milionários do movimento “Cansei”, de oposição ao governo Lula. Ela é casada com o milionário sueco.

Eliasch foi um dos financiadores do Partido Conservador na Inglaterra e agora é consultor do primeiro-ministro Gordon Brown para assuntos ambientais. Ele começou a ser investigado pela Abin em 2007 por estar comprando, desde 2005, muitas terras na região amazônica. As terras estão nos municípios de Manicoré e Itacoatiara.

Foi Eliasch quem afirmou, em 2006, durante uma conferência, que a Amazônia poderia ser comprada por US$ 50 bilhões. Em entrevista à  Globo no domingo, o milionário tentou se explicar dizendo que quis mostrar que “o valor hipotético da Amazônia era pequeno comparado ao que as seguradoras gastaram com os prejuízos do furacão Katrina”.

Diante de sua afirmação de que financiava projetos sociais na região, o repórter foi até o local para conferir. Nenhum sinal das melhorias que ele disse estar fazendo foi encontrado. Por meio da página da Cool Earth na Internet, o repórter da Globo pediu informações sobre a atuação da ONG no município de Democracia. Na resposta, a afirmação de que duas escolas e uma clínica teriam sido construídas e que os projetos estariam dando emprego a 100 pessoas. Mas em Democracia nada foi encontrado e apenas uma pessoa, de nome Ivanildo, estava empregado como segurança da propriedade do milionário.

A Cool Earth diz ainda que construiu seis depósitos para secar e armazenar castanha. Mas apenas o que já existia antes da chegada da organização na região foi encontrado. Em seu material de divulgação, a ONG mostra um homem que estaria sendo beneficiado pelo projeto, o extrativista Alfredo Ferreira, de 60 anos, que ficou surpreso ao ver sua foto sendo usada pela ONG. “Eu nunca recebi nenhum benefício da organização, desse pessoal do sueco, não. Nunca recebi nada”, afirmou. Durante a entrevista, o milionário acabou confessando que possui terras na Amazônia. “No total, são cerca de 160 mil hectares, mas eu não posso dizer quanto eu paguei porque, no contrato de compra, o preço é uma informação confidencial”, disse. “Eu também gosto de árvores, floresta. O que existe é apenas um apoio financeiro para pessoas pobres”, acrescentou o desinteressado milionário sueco.

Segundo o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária),  33 mil imóveis rurais estão registrados em nome de estrangeiros. Eles somam 5,5 milhões de hectares. Desse total, 3,1 milhões de hectares estão na chamada Amazônia Legal.

O governo decidiu limitar esse tipo de aquisição. “Trata-se de estabelecer regras para as empresas nacionais, com capital estrangeiro, que adquirem imóveis rurais no Brasil. Essa é uma questão de soberania nacional”, explica Rolf Hackbart, presidente do Incra. Uma lei de 1971 estabelecia que a compra de terras por estrangeiros deveria ser submetida ao Congresso Nacional. Um parecer da Advocacia Geral da União, de 1998, encomendado pelo então presidente Fernando Henrique, derrubou a lei eliminando as restrições. Agora, a AGU prepara um novo parecer. O consultor-geral do órgão, Ronaldo Jorge, explicou que o parecer está sendo revisto porque “as empresas estrangeiras se associam a empresas brasileiras, e adquirem grandes extensões de terras sem que se possa estabelecer qualquer tipo de restrição”, denunciou.

quarta-feira, julho 02, 2008

Fashion Week, máfias e trabalho escravo

 

ALTAMIRO BORGES*

Nas duas últimas semanas, as elites opulentas e os apreciadores da alta costura se deliciaram com os desfiles de moda no Rio de Janeiro e São Paulo, a paparicada Fashion Week. Jornais gastaram toneladas de papel para comentar cada grife nas passarelas. Já as televisões, com destaque para a TV Globo, ocuparam os espaços nobres com suas reportagens consumistas e hedonistas bem ao gosto dos ricaços. No mesmo período, a mídia burguesa fez de tudo para desqualificar a greve de 230 mil professores paulistas, “que tumultuou o trânsito dos que foram ao desfile na capital”. A visão classista da imprensa ficou escancarada nestas duas coberturas “jornalísticas”.

Sem desprezar a criatividade dos estilistas brasileiros e as peculiaridades desta indústria no país, seria sensato que a mídia não tratasse com tanto glamour este badalado mundo da moda. O livro Camorra, de Roberto Saviano, ajuda a desmistificar este setor altamente lucrativo. Lançado em 2006 na Itália, traduzido em 47 países e com 1 milhão de exemplares vendidos, ele descortina os bastidores deste “negócio”. Para isso, o jornalista italiano se infiltrou na Camorra, a organização criminosa sediada em Nápoles que já suplantou a máfia siciliana em movimentações financeiras. Após sofrer um atentado a bomba, hoje ele vive sob escolta policial e utiliza carros blindados.

Valentino, Versace, Prada e Armani

Na sua corajosa pesquisa, Saviano descobriu que um dos braços da máfia camorrista se estende à indústria da moda. Ele comprova que famosas grifes terceirizam a sua produção junto ao sistema fabril controlado pela Camorra. Muitas confecções inclusive utilizam mão-de-obra de imigrantes ilegais, com base no trabalho escravo. Como aponta Walter Maierovitch, numa resenha do livro para a revista Carta Capital, a obra “acertou em cheio grandes grifes mundiais, como Valentino, Versace, Prada e Armani. Essas empresas desfrutaram deste esquema ilegal, protegendo-se da responsabilidade criminal por meio do ridículo argumento do ‘terceirizei e basta’”.

Somente após a repercussão do livro e as denúncias da Procuradoria Antimáfia da Itália, algumas destas bilionárias empresas começaram a criticar o mercado pirata da moda. A omissão, segundo Saviano, teria os seus motivos. “Denunciar o grande mercado significava renunciar para sempre à mão-de-obra a baixo custo que utilizavam. Os clãs teriam, em represália, fechado os canais de acesso às confecções que controlam no país e as do Leste Europeu e Oriente”. O livro revela como uma empresa legal se compõe com milhares de confecções do “sistema Camorra”. Cita os leilões de modelos em escolas de Nápoles com a presença de compradores das grifes mundiais.

Ao destrinchar como funciona a Camorra, hoje uma poderosa “multinacional” com ramificações em vários setores – alta costura, drogas, contrabando e mercado financeiro –, Saviano mostra as precárias condições de trabalho dos imigrantes ilegais e dos milhares de jovens desempregados, recrutados nas periferias napolitanas. No tráfico de drogas, os jovens fazem entregas com motocicletas fornecidas pelos clãs mafiosos. Depois de várias entregas, eles ganham a moto de presente e realizam um “grande sonho, sem perceber que os capi lucraram muito mais”.

* Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB e autor do livro recém-lançado “Sindicalismo, resistência e alternativas”